A do dia
Sustos e corridas
São Paulo, 24 de julho de 2016    
Isso não é uma homenagem. Homenagem a gente faz, é o que acho, enquanto a pessoa está viva, isso é apenas um registro. Na sexta-feira passada morreu Paulo Sérgio Roque, meu querido amigo de umas quatro décadas. Conviver com o Paulão, como fiz durante esses anos todos, foi um grande privilégio. Bom jornalista, bom amigo, generoso e, principalmente, muito bem humorado. Lembro-me de uma tarde, trabalhávamos na Bloch Editores, ainda não existia a TV Manchete, em que fechávamos a edição da revista Agricultura de Hoje (depois virou Manchete Rural e, finalmente, Panorama Rural, sempre sob o comando do Paulão). Tínhamos que inventar um título para uma daquelas reportagens chatas sobre cerca elétrica, duas ou três linhas de quinze toques. A coisa era difícil, o assunto também. O prédio da Manchete no Rio de Janeiro ficava em frente a praia do Flamengo. Das janelas onde trabalhávamos a paisagem era aquela praia maravilhosa. Era inspirador trabalhar naquele local. Fechavam a edição, o Paulão, a Márcia Rodrigues, eu e o Léo (não me lembro como se escreve o seu sobrenome). Eu olhava para a praia, Paulão tomava café, a Márcia escrevia nas laudas e as rasgava, Léo, o editor-chefe, aguardava. Nada de título daquele tamanho para a reportagem sobre a maldita cerca elétrica. Subitamente, não tenho certeza se foi o Paulão, surgiu a solução: “Cerca elétrica: um susto e uma corrida”. Pode não ter sido idéia dele mas é a sua cara. Foi uma gargalhada, cabia no espaço determinado pelo diagramador. Houve até aplausos na redação. Ir ao Rio uma vez por mês fechar a edição da revista era uma festa pra mim, um recreio, eu adorava. Essa é uma das muitas histórias que vivi com o Paulão. Lamento, muito, a sua morte, mas é assim que a coisa é. Estive com ele na última vez em uma coletiva do JBS, lançamento de um site de cozinha ou de cozinheiros. Ele estava feliz, fora mais uma vez aprovado no teste da “próstata”. Reclamei dos preços dos planos de saúde. “Use o meu”, disse-me, “é só para pessoas com mais de cinqüenta anos”. Completou: “Mas vá preparado, é um congestionamento de andadores, coisa de louco...” E soltou aquela risada sincera, franca, contagiante... Segundo a minha amada Bobbie, ele se parecia com a imagem impressa na embalagem do chocolate em pó da Nestlé, aquela dos dois frades. Ele lembrava mesmo um frade, só faltava a batina. Com o Paulão todos nós da equipe da revista ganhamos o Prêmio Esso de Jornalismo Científico sei lá em que ano, foi uma grande vitória, fomos felizes! Agora o Paulão foi definitivamente para Bicas, cidade onde nasceu. Um vez, no Rio, mostrou-me com orgulho um decalque daqueles de colar no vidro do carro: “Bicas, uai”. Mais risadas. Se há algo depois que a gente morre, caríssimo Paulão, que não seja um susto e uma corrida, mas calma, paz, alegria, sossego. É o que posso desejar para você além de mantê-lo vivo no meu coração. Um beijo, meu amigo!
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