O que eu gosto
Tucano não é pavão
São Paulo, 10 de fevereiro de 2010    
Há que se evitar erro de leitura ornitológica na verificação das inovações na política para a agricultura brasileira

Nos últimos anos, em função de vários acontecimentos como as quebras de safras de 2005 e 2006, a dimensão assustadora da escalada da dívida rural e agora os efeitos da crise econômica mundial, muito se tem discutido, escrito e reprisado sobre a necessidade de edificar uma nova base para a política para a agricultura brasileira.
Nesse debate sob as luzes dos holofotes há personagens pavoneando com soluções milagrosas, quando não milagreiras, para o impasse da construção de uma base consistente e menos instável para as ações governamentais de desenvolvimento setorial, uma vez que a agricultura é o principal negócio da economia brasileira.
Desde logo, sabe-se que não fazem mais sentido, tentativas de reeditar medidas das políticas dos anos 1970, onde substantivos subsídios ao crédito rural sustentaram a modernização agropecuária. Mas não basta pavonear e afirmar que a volta ao passado não seria a solução, uma que a roda da história não roda para trás, a não ser como farsa. É preciso meter o bico grande e quebrar paradigmas.
E o Governo do Estado de São Paulo tem tido contribuição essencial para a construção da moderna base conceitual para as políticas públicas para a agricultura brasileira. E para isso usa um instrumento simples, porém ágil, representado pelo Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP), que existia há muito tempo na estrutura da Secretaria de Agricultura e Abastecimento até ser redescoberto pelo saudoso Governo Mario Covas.
E com base no FEAP foram sendo criados novos instrumentos de políticas públicas para a agricultura paulista, os quais depois foram sendo copiados pelo Governo Federal. O FEAP foi assim transformado num laboratório onde são pensados e testados novos desenhos de ações de sustentação ao desenvolvimento setorial. E avanços expressivos foram obtidos no gerenciamento dos riscos inerentes à produção biológica marcada por inexorável sazonalidade.
Há duas formas básicas de riscos enfrentados pelos agropecuaristas: o risco produtivo decorrente de fatores aleatórios de natureza agronômica e/ou climática e o risco de mercado. O gerenciamento dessas duas modalidades de risco mostra-se elemento crucial para o sucesso da agropecuária na economia moderna.
Isto porque a decisão de produzir na agropecuária, diferentemente dos demais setores, tem sempre o ônus da irreversibilidade sem grandes perdas. Numa fábrica o empresário pode reduzir (ou aumentar) o ritmo da produção intervindo na linha de produção. Na agropecuária, não. Por determinação biológica, o plantio concentra-se numa determinada época e, uma vez feito, não há alternativa senão chegar à colheita.
Assim, ao plantar, o agropecuarista assume toda sorte de risco. Daí a importância do seguro rural. Mas não apenas esse risco ronda a produção. Há o risco de mercado, uma vez que, quando planta, o homem do campo não tem qualquer possibilidade de previsão sobre os preços vigentes na época da colheita. Essa situação muitas vezes leva ao descompasso entre preços e custos gerando endividamentos por frustrações econômicas.
Nisso o Governo do Estado de São Paulo inovou ao adotar a Lei nº 11.244, de 21 de outubro de 2002, que permite subvencionar metade do valor do prêmio pago na contratação do seguro rural. Foi a primeira lei de subvenção do seguro rural no Brasil. Estando em vigor essa lei, hoje o agropecuarista paulista paga apenas um quarto do valor do prêmio do seguro rural, pois metade é arcada pela subvenção federal do seguro rural que encampou a experiência pioneira de São Paulo.
Mas a escalada da dívida rural brasileira que ganha dimensões cada vez mais preocupantes está aí como comprovação da fragilidade do agropecuarista para enfrentar riscos de mercados. Daí a necessidade de inovar as políticas públicas no sentido de gerar mecanismos de proteção de riscos de mercado que devem ser colocados à disposição dos homens do campo. Essa instabilidade afeta mesmo até a possibilidade de realizar intervenções de sucesso nas políticas públicas.
Em resposta a isso o Governador José Serra, por proposta do Secretario da Agricultura João Sampaio inova na política agrícola brasileira ao apresentar à apreciação da Assembléia Legislativa o Projeto de Lei 946-2009 em 14 de outubro último, que cria a subvenção econômica para o prêmio do contrato de opção. Isso funciona como um seguro de preços. O mecanismo de subvenção proposto assemelha-se ao que adotado para o seguro rural. Assim, mais uma vez pioneiro São Paulo lança os alicerces da moderna política para a agricultura brasileira.
A mitigação de risco, tanto agronômicos quanto de mercado, representa um caminho para desatar o nó górdio dessa dívida rural postergada em dimensões que ganham contornos de elevada preocupação quanto ao futuro da agricultura, o principal setor econômico nacional. A recente crise internacional que afeta o crédito agrega mais elementos formadores de expectativas negativas para esse segmento econômico, presente em todos os rincões da economia continental brasileira. As mudanças institucionais e do perfil das políticas públicas setoriais são fundamentais para a solidificação de um novo ciclo de desenvolvimento. Espera-se que mais essa contribuição pioneira de São Paulo represente um rumo para o Brasil.
Mas mais que registrar aqui essas inovações nas políticas públicas para agricultura, há que se fazer o registro da atuação de personagens que permanecem anônimos conquanto tenham contribuído de maneira efetiva para a construção das novas bases das políticas para o desenvolvimento setorial. Falo neste caso do Engenheiro Agrônomo e Pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA) José Sidnei Gonçalves.
Uma leitura de artigos publicados no site dessa instituição permite mensurar sua importância na construção da modernidade. O IEA foi criado por Ruy Muller Paiva que por sua vez concebeu a política para a agricultura brasileira adotada da metade dos anos 1960 em diante e centrada nos preços mínimos e no crédito subsidiado, por ele denominados nos anos 1950 de crédito facilitado e preços remuneradores.
Pois bem, no site do IEA existem textos que mostram a participação do José Sidnei na construção da política estadual de seguro rural, tendo atuado na própria definição da Lei nº 11.244, de 21 de outubro de 2002. Pois bem, complementando o seguro do risco produtivo vem agora a subvenção pelo FEAP do prêmio do contrato de opção, um seguro de preços de que trata o pioneiro Projeto de Lei 946-2009. E foram os estudos do citado pesquisador do IEA que embasaram a proposta e mais que isso, a elaboração do Projeto de Lei também teve participação direta do mesmo.
Assim, o José Sidnei atuou diretamente na construção de dois alicerces fundamentais da nova política para a agricultura brasileira formatando as leis de subvenção econômica dos prêmios do seguro rural e do contrato de opção, ambas medidas pioneiras no contexto brasileiro. Uma leitura de artigos postados neste site também mostra que outras idéias estão fervilhando na sua careca brilhante, o que não é mera redundância. Faço este registro para que mais uma vez episódios dessa dimensão não levem a passagens despercebidas de pensadores que permanecem anônimos. Poderia citar outras diversas participações efetivas do José Sidnei, mas seria demais extenso para esse espaço.
Apenas registre-se que na leitura desse debate visando a edificação da nova política para agricultura brasileira, não há dúvidas de que o pioneirismo bandeirante do Governo do Estado de São Paulo o tem colocado na vanguarda da construção da modernidade. E que há que se ter cuidado para que não se cometa um sério equívoco de classificação ornitológica. Tucano não é pavão que apesar da exuberância do abanar da cauda majestosa, não tem bico grande para quebrar paradigmas que permitem construir o futuro. Aliás, o tucano voa e o pavão anda. E isso faz uma enorme diferença para quem tem pressa de chegar ao desenvolvimento.
  Voltar