Mercado
A cabala dos algoritmos
São Paulo, 1 de maio de 2015    
Celso Vegro (*)

Imagine o seguinte diálogo entre cafeicultores brasileiros trocado pelo twitter:
Cafeicultor 1: Em minha região as chuvas têm ajudado na recuperação da lavoura.
Cafeicultor 2: Por acaso, em minha, também.
Esses comentários eletronicamente transmitidos são minerados por supercomputadores, programados para atuar em ambiente de big data, sendo capazes de realizar centenas de milhares de cruzamentos em centésimos de segundos, extraindo dessas equações e cálculos recomendações ordens de compra e venda de ativos.
A arquitetura desses programas atende aos padrões estabelecidos por equipes de Ph.D. matemáticos, economistas, neurocientistas/semióticos capazes de modelar algoritmos (1), com o propósito de auxiliar fundos de investimentos com vários bilhões de dólares na carteira (que atuam de forma tão discreta que a maior parte deles desconhecemos), em acertar com maior frequência os momentos de alta e de baixa dos mercados financeiros.
Os despretensiosos comentários exemplificados (2), foram compilados pelos algoritmos e entraram nas equações como fatores capazes de pré-determinar tendências para o mercado, no caso, o de café. Mesmo não contendo qualquer informação relevante sobre a produção/produtividade, essas mensagens são aproveitadas.
A célebre imagem de que o mercado é intrinsecamente anárquico foi um dos estopins para adoção dos algoritmos. Utilizar a capacidade de processamento dos supercomputadores em substituição da inteligência e experiência humana, pareceu a todos os fundos como a mais sensata das mudanças necessárias, objetivando tornar menos volátil o movimento dos preços.
Historicamente, os anos de ciclo de baixa para a colheita brasileira representavam momentos em que as cotações seguiam pressionadas, especialmente, entre dezembro e março, considerada a entressafra do café no país. Duas safras consecutivas do Brasil, 2013/14 e 2014/15, apenas na primeira houve efeito modesto sobre as cotações, sendo que na segunda ao contrário o movimento baixista predominou. Mais preocupante ainda a constatação de que a safra 2015/16 não registrará quantidades colhidas muito acima da anterior devido: intercorrências climáticas, fisiológicas (déficit de florescimento) e de manejo (atraso nas adubações e adoção de podas), ou seja, três ciclos de oferta brasileira apertada para fazer frente a demanda internacional e consumo interno.
A mobilização de estoques permitiu que não ocorresse ruptura no suprimento. Todavia, a impressão atual é de que se esgotaram esses remanescentes (3), tendo sido em parte transferidos para os países importadores. A aceleração dos embarques, estratégia comercial defensiva (precaver-se de perdas financeiras frente a futuro incerto para as cotações), no ambiente dos supercomputadores em ininterrupto processamento de seus algoritmos, traduziu-se como disponibilidade de oferta, pressionando as cotações.
Assim, os traders e torrefadores internacionais ao efetuar hedge em matéria-prima, adquirindo produto para processamento futuro, posicionamento claramente defensivo, produziu-se sob a lente dos algoritmos resultado contrário, ou seja, criou-se interpretação espúria de que há excedentes suficientes para atender ao mercado e, portanto, as cotações devem entrar em rota de baixa. Mais um caso de profecia que se auto realiza.
Em variadas situações no dia-a-dia dos negócios privados, ocorrem decisões de ordem microeconômica que, em seu somatório, produzem resultado inverso daquele que motivou a decisão original. Aparentemente, a ação dos algoritmos, capitaneado pelos fundos de elevada liquidez, está reproduzindo essa dinâmica de modo ainda mais intenso, pois promove variações, aparentemente, mais amplas e de prazo mais estreito.
Estimativas recentes de importantes organismos (USDA, OIC) relatam aceleração na taxa de crescimento do consumo da bebida. Novos mercados em rápido crescimento da demanda combinados com ligeiro crescimento nos já tradicionais, têm promovido desaparecimento de produto em forte ritmo. Notícias de mau desempenho do Brasil, significativa queda nos embarques vietnamitas e lenta recuperação da Centro-América, deveriam constituir os pilares para a formação dos preços para o produto.
Deve-se, entretanto, reconhecer que a mudança da paridade cambial em que houve valorização global da moeda estadunidense, atuou no sentido de promover movimento de baixa nas principais commodities (metálicas e agrícolas). Associe-se a esse cenário as decisões de caráter geopolítico com relação à oferta de petróleo e seus preços, forma-se ambiente pouco propício para a majoração dos preços.
A cabala (4) (ou cabalá como pronunciam os judeus) reúne conhecimentos esotéricos que são transmitidos a poucos escolhidos considerados aptos em recebe-los. No sincretismo religioso que
predomina o mundo contemporâneo, assumiu marcas de presságio. Parece singular que todo o esforço humano em antecipar o futuro, por meio da adoção de complexos algoritmos, secretamente elaborados e testados, converge crescentemente para o que os adeptos da cabala procuram difundir: a adivinhação.

(1)Constitui algoritmo uma sequência ordenada de regras associada a um modelo de processamento que permite a realização de determinada tarefa.
(2)Recentemente, na web circularam imagens com lavouras cujos os ramos pendiam devido à carga, aparentando que estavam prestes a quebrar. Também essas foram mineradas e associadas a algum passo dos algoritmos. Não se questiona, por exemplo, se as fotos foram de lavouras esqueletadas no ano anterior e manejadas sob irrigação, ou ainda, se pertencem a cinturão pouco afetado pela anomalia climática (Paraná). Enfim, são apenas imagens descontextualizadas que para um computador é o que basta.
(3)Técnicos da CONAB encontram-se em campanha de campo para conferir o montante dos estoques de café.
(4)Detalhes em: http://super.abril.com.br/religiao/cabala-misticismo-judaico-revelado-622423.shtml

(*)Celso Luis Rodrigues Vegro é Eng.Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA
  Voltar