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Sair dos trilhos: um autêntico rumo (1) | |||
São Paulo, 19 de outubro de 2012 | |||
Por Celso Vegro (*) “Crescimento ilimitado é uma suposição heróica”. Martin Wolf (2) O estirado passo que a ruptura econômica e financeira global registra tem conduzido a reflexões aprofundadas em todos os segmentos da sociedade contemporânea. Aqueles posicionados no escalão mais cético das opiniões asseveram que a crise é “um estado, um processo que se autoalimenta e assim se sustenta” (3). Ainda que o pessimismo não seja critério científico de análise como pontifica Sir Bertrand Russel (4), tornou-se inegável que o desalento entre desempregados europeus/estadunidenses contribui imensamente no clima de mal-estar coetâneo. A possibilidade de que no contexto atual estejamos vivenciando uma espécie de estancamento do processo civilizatório é um sentimento que se difunde por entre governantes e empresas. O desiderato de que a produção de riquezas, por meio do incremento da base de produção de bens e prestação de serviços, se traduz em mais bem-estar/felicidade deixou de ser irrefutável identidade. Em 2011, o ex-presidente francês sinalizou que já se havia ultrapassado o momento de substituir o método de mensuração do Produto Interno Bruto (PIB), buscando novas maneiras de acoplar o “sentido da vida” ao do desenvolvimento econômico. No contexto das transnacionais é possível recolher afirmativas como: "as empresas terão de mudar a forma como fazem negócios, para manter crescimento sustentável de longo prazo. O velho modelo de consumo cada vez maior, com crescimento a qualquer preço, está acabado” (5). Não poderia haver diagnóstico mais contundente de esgarçamento do decantado mecanismo de reprodução ampliada do capital (6). Congênere diagnóstico é compartilhado pelas montadoras que confiando no cenário de ser ecologicamente insustentável que cada família possua dois automóveis, entende ser preciso abandonar a produção de veículos para adentrar no ramo de serviços de mobilidade (7), outro posicionamento que evidencia dilemas pelos quais atravessam os CEO’s das grandes líderes globais. Em esforço individual de espelhamento desse conjunto de reflexões prospectivas frente ao complexo agroindustrial do café, que ilações são possíveis de se extrair? Considerando especialmente os encadeamentos técnico-produtivos pós-porteira, por quais trilhos evoluíram a reinvenção desse negócio? Concebe a vertente shumpeteriana do pensamento econômico o crescimento como um desdobramento das inovações. Porém, na indústria do café nos deparamos com segmento tecnologicamente maduro, ou seja, sob esse prisma, tecnicamente condenado a uma trajetória de baixo crescimento (8). Caso empiricamente tal hipótese se verifique, será que não se concentrariam nas empresas desse segmento os exemplos a ser estudados, procurando-se perceber em quais situações foi possível alinhar crescimento das vendas (e, conseqüentemente, do lucro) com padrões sustentáveis de consumo. As experiências de êxito no negócio café situam-se na produção de inovações (de produto e processo) destinadas à prestação de serviços vinculados à bebida. Empresas como a illycaffè®; NESPRESSO®; Syngenta®; Café do Centro®, Café Bom Dia® e Starbucks®, exemplificam trajetórias diversas que se curiosamente assemelham nessa capacidade que aqui denomino de sair dos trilhos. De um ponto de vista brasileiro, o mais icônico dos casos de reinvenção dos negócios em café foi o da illycaffè®. Em 1989 seu saudoso presidente Ernesto Illy percebeu que jamais conseguiria manter o elevadíssimo padrão de excelência da bebida sem um estreitamento das ligações com regiões/países produtores do grão, especialmente, o Brasil, sinônimo de café com os mais destacados atributos para o preparo espresso. A estratégia de empresa constituiu-se na estruturação de conjunto de empresas com atribuições muito específicas: laboratório de prova de café; empresa trading, firma distribuidora do produto para clientes no território nacional e convênio com centro de pesquisas para treinamento e capacitação de técnicos no agronegócio café, conjuntamente com a organização de rol de fornecedores com reconhecido esmero no pós-colheita e concurso anual de qualidade de café para espresso. A esse arranjo de intervenções, mais recentemente, integraram-se os padrões de sustentabilidade da produção mediante a verificação de protocolos próprios ou daqueles já aceitos pelo mercado. Todo esse processo de articulação e construção de instituições permitiu à empresa, não apenas manter trajetória de crescimento dentro da UE, como estruturar filial fora da Itália conquistando market-share em mercados não tradicionais para a empresa. Outro caso de inegável êxito é o representado pela NESPRESSO® (9). Adotando linhas/desenhos arrojados na fabricação de suas máquinas de preparo, a NESPRESSO® converteu-se em ícone dentre os itens de desejo de consumo entre a nova e a antiga classe média brasileira. Tais máquinas preparam espresso a partir de cápsulas de variadas origens e misturas, extraídas à pressão de 19 Bar. O resultado na xícara é dos mais desejáveis, conquistando de imediato a maior parte dos apreciadores da bebida. A empresa não se limita a buscar a excelência, mas está intimamente vinculada aos cafeicultores fornecedores, oferecendo suporte aos cafeicultores (inclusive financeiro) para que eles produzam grãos de alta qualidade. Paralelamente, estimula a adoção da certificação coorporativa designada de Triplo A (AAA) que associada a certificadora de reputação internacioal (RainForest Alliance®), promovem um salto sem igual tanto na gestão dos estabelecimentos como na excelência da bebida. Ademais, conscientiza seus clientes para que tragam suas cápsulas usadas para reciclagem, estabelecendo por meta o recolhimento e reaproveitamento de 75% delas até 2013 (10) e a redução em 20% de sua pegada de carbono até 2013. Estratégia das mais complexas estruturou a transnacional de agroquímicos Syngenta®. Percebendo que se manter exclusivamente no suprimento de insumos aos cafeicultores estaria limitando suas potencialidades de crescimento econômico, buscou avançar na cadeia de valor criando empresa irmã que aproximasse micro e pequenos torrefadores dos países do Hemisfério Norte aos cafeicultores brasileiros (11). Valendo-se de derivativos financeiros que permitem a troca de café por insumos e estimulando os cafeicultores a implementar boas práticas agrícolas com rastreabilidade, a empresa logrou, em 2011, negociar cerca de 300 mil sacas com garantias ao torrefador de entrega de produto com alta qualidade, angariando assim significativo prêmio para o produtor. A empresa incentiva a contratualização entre as unidades de produção e os industriais conferindo horizonte econômico para a atividade agrícola. Ao internalizar margens por meio do avanço na cadeia de valor (encurtamento da rede de intermediação) e propiciar menor volatilidade nos preços recebidos pelos cafeicultores, a empresa criou uma espécie de jogo ganha-ganha, sendo exemplo mais palpável de consolidação de uma classe média rural, orientação que aparentemente, ainda, não sensibiliza as esferas dos governos. São poucos os casos entre as torrefadoras que atuam no mercado brasileiro que ao seu modo saíram dos trilhos. O Café do Centro®, por exemplo, conduzido por dupla de jovens empreendedores, apostou no mercado gourmet; na segmentação da linha de cafés (seleção por regiões/estados produtores); em embalagens desenhadas com estilo; na recusa ao varejo tradicional voltando-se para o suprimento do mercado institucional e na internacionalização da marca por meio do franqueamento. Adotando esse rol de estratégias, a empresa conseguiu crescer a taxas de dois dígitos nos últimos anos, obtendo ainda reconhecimento de alta excelência no mercado japonês, onde já soma três estabelecimentos servindo o café que é inteiramente processado, embalado e exportado a partir de sua torrefadora em Adamantina/SP. Outra torrefadora que se destacou no cenário brasileiro foi o Café Bom Dia® de Varginha/MG. Firmemente decidido a agregar valor ao produto seu CEO decidiu-se por exibir seu café Marques de Paiva nas gôndolas das lojas do Walmart® estadunidense. Não apenas conseguiu distribuir seu café na rede como ainda, em prova cega conduzida por rede de televisão de ampla penetração no país, selecionou-o como o produto de melhor relação custo/benefício disponível naquela rede. A ousadia do empresário associada ao momento oportuno (enquete televisiva) alçou a companhia a patamares que outras, congêneres, sequer um dia cogitaram. O fundador da rede de cafeterias Starbucks® escreveu em sua autobiografia que a origem brasileira não poderia participar do blend da companhia por não reunir atributos de excelência, inverteu seu posicionamento e, atualmente, adquire mais de 1 milhão de sacas do produto verde amarelo. Após essa guinada, a empresa, que passou por dificuldades financeiras entre 2007-2010, retomou trajetória de crescimento, estimando haver espaço para a abertura de até 1.000 pontos de oferta da bebida apenas no Brasil (12). Para não especialistas os fatos são apenas ocorrências aleatórias, quando na verdade, já entre os especialistas, o forte incremento da origem brasileira no blend confirma sua aptidão para o preparo espresso, contribuindo para uma mais acentuada fidelização dos apreciadores, pois a experiência sensorial de cada um se enobreceu. Não faltou coragem para o CEO da companhia em por em prática a expressão “esqueçam aquilo que escrevi”! Os poucos casos listados não tem a pretensão de esgotar as iniciativas que demonstram a saída dos trilhos. Os poucos exemplos selecionados reúnem conjunto de estratégias diferenciadas em que prevalece a complementaridade face a esperada competição. Estou persuadido pelo caminho até aqui conduzido que a reinvenção do negócio café não tem um líder ou dono, mas ao contrário, formam um leque de possibilidades alternativas construídas e selecionadas pelos agentes econômicos na busca de fortalecer seu negócio cuja coluna mais robusta são os Cafés do Brasil. (1) A imagem de sair dos trilhos significa a atitude de buscar novas formas de transacionar café em contraposição àquela de aguardar o pedido do importador ou a reposição na gôndola do varejista. O autor agradece ao apoio e aos oportuníssimos comentários do prof. Dr. Ricardo Abramovay. (2) WOLF, Martin. Acabou a era do crescimento? Jornal Valor Econômico, 03/10/2012. Disponível em: http://www.valor.com.br/opiniao/2853102/acabou-era-do-crescimento (3) VOLPON, Tony. A crise é permanente, mutante e contagiosa. Jornal Valor Econômico, 24/09/2012. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/2838436/crise-e-permanente-mutante-e-contagiosa (4) Tampouco o otimismo na acepção do filósofo da Rainha. (5) Conforme original: Companies will have to change the way they do business, to deliver long-term sustainable growth. The old model of ever-greater consumption, with growth at any price, is broken. SOURRY, Amanda (Chairman, Unilever UK & Ireland). Consumer Future 2020 – Scenários for Tomorrows Consumers, London, UK, 2011, 69p. (6) A elegante equação proposta por Marx e, formalmente, aceita por Keynes assim expressa: D (dinheiro) - M (mercadoria) - D’ (mais dinheiro). (7) Depoimento recolhido de palestra do prof. Dr. Ricardo Abramovay durante o VI Encontro Nacional de Estudos do Consumo e II Encontro Luso-Brasileiro de Estudos do Consumo. ESPM, Rio de Janeiro, 2012. (8) A expansão do mercado de café mundial é de aproximadamente 2% ao ano. As tecnologias de embalagens, talvez, constituam a única exceção a hipótese do baixo crescimento. (9) Este autor foi um dos participantes da expedição 2012 do NESPRESSO® Experience. Nessa edição além do conhecimento da estratégia do programa ECOLABORATION® foram visitados cafeicultores fornecedores e não fornecedores da empresa, laboratório de classificação e prova da bebida. (10) O percentual de recuperação de cápsulas utilizadas no Brasil em 2012 já é de cerca 20%. A Veja SP em pesquisa conduzida no primeiro semestre de 2012 sobre o hábito de consumo do café entre paulistanos, estimou que a penetração das máquinas NESPRESSO já atingisse mais de 20% dos domicílios. (11) Para detalhes ver o sítio na internet: http://www.nucoffee.com.br/ (12) Compõem a rede no Brasil 64 estabelecimentos. (*)Celso Luis Rodrigues Vegro Eng.Agr., Pesquisador Científico VI Instituto de Economia Agrícola celvegro@iea.sp.gov.br |
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