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Código florestal deve incorporar avanços da ciência | |||
São Paulo, 27 de julho de 2010 | |||
Engºagrº Eduardo Pires Castanho Filho (*) As demandas ambientais mundiais focam em assuntos como mudanças climáticas, descarbonização dos modelos econômicos, outros conceitos além de apenas o PIB para medir desenvolvimento, e aqui no Brasil ainda se discutem alterações do Código Florestal Brasileiro com conceitos de 45 anos atrás.. Nenhuma incorporação dos avanços da ciência ocorridos nessas quase cinco décadas são levados em consideração e muito menos incorporados à legislação quando se debatem mudanças que deveriam estar protegendo os ecossistemas brasileiros. Nem por parte de cientistas, que podem ter sido preteridos nas discussões havidas, nem por parte dos que propuseram as alterações, e, surpreendentemente, por parte da imprensa. Continuam aferrados a um texto produzido nos idos de 1965 perdendo a oportunidade única de colocar a questão em patamares mais modernos e científicos. Desde pelo menos final da década passada trabalhos científicos abriram novos horizontes para avaliar a vertente ambiental dos processos produtivos das sociedades humanas complementando e enriquecendo seu reducionismo econômico com destaque para as valorações dos serviços ecossistêmicos, o que demonstra o anacronismo que embasou o Código Florestal e as atuais discussões a seu respeito. Essa Lei ordena relações que se dão no mesmo espaço físico, onde convive a produção privada para o mercado e a produção de outros serviços ecossistêmicos, que são públicos e que precisariam ser valorados e remunerados. Além disso, nesse mesmo espaço coexistem desde ecossistemas complexos e intocados até ecossistemas degradados. É importante reter que esses serviços, de vital importância para humanidade, podem se originar desde ecossistemas praticamente intocados, por agroecossistemas modificados ou até por ecossistemas urbanos, podendo fazer parte de mercados institucionalizados ou serem bens públicos de interesse para a sociedade como um todo. Tratar adequadamente esses novos conceitos é o real desafio para os que querem que o Código Florestal atinja seus objetivos ambientais, sociais e econômicos. E não como atualmente onde há algo de profundamente errado com esse diploma legal, visto que a maior parte dos que regidos por ele estão na “ilegalidade”. Não querer mudá-lo não vai modificar essa situação, muito menos resolver a questão ambiental brasileira no que tange ao espaço rural. Se uma lei em vigor há mais de 45 anos não conseguiu conter a devastação, porque sua manutenção conseguiria? No entanto, a discussão travada, pelo visto, passa longe disso eivada de uma carga de “ismos” e desqualificações de lado a lado que só leva ao impasse e ao crescimento de animosidades. As vertentes contra ou favoráveis às alterações na legislação dizem querer uma produção sustentável. Para que isso aconteça seria preciso discutir os vários tipos de produtos e serviços derivados dos diferentes ecossistemas e como adequá-los à sustentabilidade. No entanto, verifica-se que as argumentações apresentadas, deslocam a discussão apenas sobre a necessidade da manutenção ou mudança da atual legislação. Ameaças de que o País não exportará ou de que as nações desenvolvidas querem tolher o destino de potência do Brasil não podem ser usados como argumentos para manter a questão num patamar tão antiquado e anacrônico cientificamente. Para haver uma legislação efetiva, devem-se incorporar novos conceitos gestados à luz da ciência, prevendo revisões periódicas para incorporar avanços posteriores. Tais conceitos auxiliariam a resolver os problemas políticos que emergem das responsabilidades de cada agente no processo: os vários tipos de serviços ecossistêmicos prestados e .suas gradações sociais; sobre quem recairiam os custos da produção desses serviços. Em qualquer avaliação ambiental a unidade de análise e intervenção é o ecossistema e o princípio mais básico o da manutenção da diversidade. Cada ecossistema merece tratamento específico. Para cada caso o projeto técnico, com as bacias hidrográficas e os biomas como focos de análise, deve ser o instrumento por excelência da Lei estabelecendo formas de pagamento pelos serviços ecossistêmicos prestados à sociedade. Hoje na legislação os aspectos mais controversos dizem respeito a dois conceitos APP e RL. Na concepção original do Código essas áreas eram complementares e podiam ser superpostas já que suas funções eram a proteção dos recursos naturais. Em 2001 houve uma mudança substancial criando-se dois tipos de florestas de proteção dentro de uma mesma propriedade remetendo inclusive à funções estipuladas na Constituição, que são imperativas do Poder Público. A Reserva Legal, tal como formulada atualmente, se constitui numa anomalia jurídica e, além disso, técnica, porque ao estabelecer um percentual fixo por propriedade para reserva florestal não se baseou em nenhuma avaliação lastreada em conceitos científicos ou técnicos que indicasse que o tamanho de uma reserva florestal deva ser de um percentual fixo por propriedade, para que os objetivos de conservação definidos na MP fossem alcançados. Pelo contrário, esse método leva à extinção de espécies que necessitam grandes territórios para sua manutenção, intensifica a endogamia em áreas pequenas e confinadas, além de favorecer o descontrole populacional pela quebra de cadeias tróficas. Além disso, a MP ao determinar um percentual fixo em cada propriedade discrimina indivíduos, ao pretender tratar igualmente coisas que são absolutamente desiguais. A mesma unidade de área pode variar em muitos aspectos, além obviamente do tamanho: físicos, químicos, biológicos, climáticos, locacionais, históricos, pela incorporação de tecnologia e capital, pela sua fragilidade ambiental, pela sua rentabilidade, pela exploração técnica e pelo tipo de cultura que é feita e muitos outros aspectos. A discussão é urgente e ainda há tempo de mudar. A sustentabilidade deve nortear esses debates e as propostas de mudança. Não se pode perder essa oportunidade. (*) Pesquisador científico IEA/ APTA/ SAA |
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