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Agricultura desprotegida | |||
São Paulo, 16 de março de 2010 | |||
Por José Sidnei Gonçalves (*) Mudanças provocam significativos retrocessos na política federal de seguro rural A nova política para a agricultura brasileira vem sendo edificada com o progressivo rompimento com os paradigmas que edificaram a intervenção estatal para o desenvolvimento setorial da metade dos anos 1960 em diante com apogeu na década de 1970. Naquela quadra histórica a estratégia de internalizar os padrões da segunda revolução industrial levou à utilização do crédito subsidiado para modernizar a agropecuária com intensificação do uso de insumos e máquinas, para estruturar as agroindústrias de bens de capital e insumos e as de processamento e de alimentos, além das estruturas dos agro-serviços transacionais e financeiros. Essa transformação que provocou transformações profundas na estrutura de mercado e formação de preços acabou esgotando-se pelo seu próprio sucesso, sendo que do lado das finanças públicas a explosão da dívida pública tornou-se uma limitação para a continuidade desse perfil de políticas. O esgotamento do padrão de financiamento baseado na dívida pública lançaria a agricultura durante a década de 1980 em diante na busca da edificação de novos mecanismos para sustentar o desenvolvimento setorial. O novo padrão de financiamento que se constrói a partir do crédito informal e do contrato “soja verde” adquire institucionalização com a criação da Cédula de Produto Rural (CPR) em 1995. Noutras palavras, as relações internas ao fluxo produção-consumo passaram a lastrear de forma progressiva o financiamento do custeio da safra com base na venda antecipada, enquanto que o financiamento do investimento com base nos programas Moderfrota e Moderinfra passou a ser executado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De qualquer maneira parcela relevante do custeio da safra origina-se de mecanismos privados sendo minoritária a participação de recursos oficiais dos planos de safra. A mudança do regime cambial de janeiro de 2000 ao mesmo tempo em que a CPR passou a adotar a liquidação financeira no mesmo ano, seriam decisões governamentais que estruturaram os mecanismos com base nos quais foi realizado o último “boom” agropecuário, em efeitos que perduram até hoje, produzindo seguidas supersafras de grãos e fibras. Com os mecanismos privados respondendo pela maior parcela do custeio da safra e com a progressiva inserção da agropecuária nos movimentos do capital financeiro, o desenho da nova política pública setorial em construção tem no seguro rural um dos principais instrumentos. Isso porque constitui elemento de gestão de riscos, fazendo da agropecuária uma atividade mais estável gerando uma estabilidade propicia à decisão de investimento. Tal como o subsídio no crédito rural dos anos 1970, a subvenção econômica representa condição essencial para a generalização do seguro rural. A legislação pioneira nesse sentido constitui-se no Estado de São Paulo com a Lei Estadual nº 11.244, de 21 de outubro de 2002 que possibilitou a subvenção de até metade do prêmio do seguro rural. A legislação federal iria mais tarde por meio da Lei Federal nº 10.823, de 19 de dezembro de 2003, também adotar a subvenção econômica ao prêmio como instrumento para a disseminação do seguro rural. O espírito dessa legislação consiste em caminhar para a edificação de uma política de garantia da renda agropecuária. Tanto assim que a Lei Federal 10.823/2003 deixa em aberto a possibilidade de subvenção para um amplo arco de modalidades de seguro rural. Isso pode ser visto na redação do artigo 2° da Lei Federal 10.823/2003 que preconiza subvenções que poderão ser diferenciadas segundo: “I - modalidades do seguro rural; II - tipos de culturas e espécies animais; III - categorias de produtores; IV - regiões de produção; V - condições contratuais, priorizando aquelas consideradas redutoras de risco ou indutoras de tecnologia”. A pluralidade das modalidades de seguro rural passíveis de subvenção está explícita no Inciso I do artigo 3° que define que “o Poder Executivo regulamentará: I - as modalidades de seguro rural contempláveis com o benefício de que trata esta Lei”. Fica explícita a possibilidade de avanços na política federal de seguro rural, incorporando outras modalidades que não apenas aquelas associadas a fenômenos climáticos. Os Planos Trienais de Seguro Rural até recentemente, conquanto na prática tenha operacionalizado apenas o seguro contra riscos climáticos, vinham mantendo coerência com o espírito da Lei Federal 10.823/2003. Entretanto na medida mais recente configura-se relevante retrocesso nesse aspecto. Isso pode ser visto na Resolução nº 22, de 30 de dezembro de 2009 do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural (CGSR) aprovou o Plano Trienal do Seguro Rural – PTSR do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural para o período de 2010 a 2012. Em linhas gerais o PTSR 2010-2012 parece seguir a linha de continuidade, mas há que se refletir sobre o significado de uma diferença fundamental em relação ao Plano Trienal do Seguro Rural – PSTR do Programa de Subvenção Econômica ao Prêmio do Seguro Rural para o triênio 2007 a 2009, que havia sido aprovado pela Resolução nº 19, de 29 de dezembro de 2008. Essa diferença está explícita na diferença das diretrizes gerais para essa política federal que no PSTR 2007-2009 definia que se buscava: “a) promover a universalização do acesso ao seguro rural; b) assegurar o papel do seguro rural como instrumento para a estabilidade da renda agropecuária; c) induzir o uso de tecnologias adequadas e modernizar a gestão do empreendimento agropecuário”. Já no PSTR 2010-2012 procura-se: ”a) promover a universalização do acesso ao seguro rural; b) assegurar o papel do seguro rural como mitigador dos efeitos dos riscos climáticos das atividades agropecuárias; c) induzir o uso de tecnologias adequadas e modernizar a gestão do empreendimento agropecuário”. Fica nítida a menor abrangência da política federal de seguro rural, que deixa de buscar mecanismos complementares que construam a garantia da renda agropecuária, para retroceder ao velho desenho do seguro rural dos anos 1930 que era consubstanciado no seguro contra granizo criado para o algodão paulista com base no Decreto Estadual n° 10.554 de 4 de outubro de 1939 que organizou o Fundo de Defesa da Lavoura Algodoeira Conta o Granizo, formado por parcela da venda de sementes de algodão pelo Estado e visava cobrir prejuízos de agricultores cujos algodoais fossem atingidos por esse evento climático. Nessa política paulista de sucesso na construção da modernidade da cotonicultura no período 1930-1990 o seguro era obrigatório, sendo integrante de um rol de medidas reguladoras da produção e comercialização do algodão. O retrocesso explícito no PSTR 2010-2012, cuja abrangência indica em caso de continuidade da gestão federal uma persistência que atingirá metade do próximo Governo, na verdade revela a baixa prioridade do Governo Federal para a configuração das bases uma nova política agrícola em bases mais modernas, preferindo manter-se na linha populista das renegociações e reestruturações da enorme dívida rural acumulada que lançar as bases de uma solução mais duradoura para a questão do financiamento da produção. Tanto assim ocorreu atraso no pagamento às seguradoras no exercício 2009 de cerca de R$ 90 milhões devidos a título de subvenção econômica do seguro rural ( ). Não há de se estranhar, portanto, que no final do exercício tenha sido explicitado o recuo conceitual das diretrizes do seguro rural, reduzido a gestão de riscos climáticos no triênio 2010-2012. Conquanto de abrangência ainda reduzida, o seguro rural que cobre menos de 10% da área agropecuária brasileira vem crescendo nos últimos anos. Com liberação em fevereiro dos R$ 90 milhões devidos às seguradoras com base no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), os recursos referentes a 2009 destinados ao PSR somam R$ 261 milhões, 66,2% mais que os R$ 157 milhões aplicados em 2008. Em relação a 2007, quando foram repassados R$ 61 milhões ao programa, os investimentos foram 328% superiores. O PSTR 2010-2012 prevê a aplicação de R$ 451 milhões. Entretanto, face às diretrizes fixadas a subvenção federal do seguro rural se manterá nos limites da cobertura de danos decorrentes de fenômenos climáticos. Ficam de fora outras ocorrências que podem afetar sua produção como pragas e doenças e eventos de outras características capazes de destruir lavouras e criações. As duas formas básicas de riscos enfrentados pelos agropecuaristas são: o risco produtivo decorrente de fatores aleatórios de natureza agronômica e/ou climática e o risco de mercado. O gerenciamento dessas duas modalidades de risco mostra-se elemento crucial para o sucesso da agropecuária na economia moderna. O retrocesso conceitual inserido nas novas diretrizes da subvenção federal do seguro rural configura inclusive uma enorme confusão dado que a restrição imposta ao contemplar apenas os riscos climáticos como um das diretrizes torna inviável a segurança de concretização das outras duas diretrizes, uma vez que como nem todas as atividades estão sujeitas a riscos climáticos não há como cumprir a diretriz de universalizar o acesso ao seguro rural e como a exposição ao risco na agropecuária se mostra inibidora serão menores os investimentos necessários ao uso da moderna tecnologia adequada nos empreendimentos agropecuários. Tais diretrizes reducionistas e de notório retrocesso conceitual cria obstáculo para o avanço da subvenção econômica como moderno instrumento de política setorial, que fica mais barato que os R$ 3 a 4 bilhões anuais transferidos em sucessivas renegociações da dívida rural. Nos Estados Unidos o seguro cobre riscos climáticos, riscos de doenças e pragas do seguro e riscos de preços com base numa renda esperada, com subvenção de Subsidia de 38% a 100% do valor do prêmio conforme a modalidade. No Chile, o seguro cobre riscos climáticos e riscos de doenças e pragas, com subvenções de ate 80% do valor do prêmio. Nos EUA, além da subvenção ao prêmio, o Governo ainda subvenciona o custo administrativo e operacional das seguradoras. No Brasil no ano passado atrasou-se o pagamento de subvenções devidas e agora, fixa-se como diretriz a cobertura somente dos riscos climáticos limitando as possibilidades de avanço, pois ao contrário, as novas diretrizes indicam o retrocesso em relação ao espírito da Lei Federal 10.823/2003 de “assegurar o papel do seguro rural como instrumento para a estabilidade da renda agropecuária”. José Sidnei Gonçalves é engenheiro-agrônomo, Doutor em Ciências Ecnômicas e pesquisador científico do IEA/APTA/SAA. e-mail:sydy@iea.sp.gov.br |
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