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Pecuária brasileira: de vilã à solução | |||
São Paulo, 23 de dezembro de 2009 | |||
Por Paulo Henrique Mazza Rodrigues (*) A perspectiva do aquecimento global tem provocado uma movimentação sem precedentes em praticamente todas as esferas que permeiam as atividades humanas, uma vez que esse fenômeno afeta, não apenas pobres ou ricos, mas todos os seres vivos do planeta. Todos os modelos de predição da temperatura global, realizados pelos mais respeitados institutos de pesquisa internacionais, apontam para o eminente e gradual aquecimento do planeta. Portanto, passada a fase de dúvidas, incertezas e discussões calorosas se o planeta está ou não aquecendo, parece que a sociedade se deu conta que chegou o momento de abandonar a discussão e partir para a fase da ação. Em sintonia com a exigência dos novos tempos, o setor pecuário não está indiferente a este processo e, há algum tempo, já iniciou, estimulado pelo Conselho Nacional da Pecuária de Corte (CNPC) e Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), o processo de discussões. Em meados do ano, reuniram-se em Ribeirão Preto, SP, 35 pesquisadores de diferentes universidades e institutos de pesquisa para discutir e implementar uma rede de estudos sobre a pecuária e os gases de efeito estufa. A rede será liderada pela Embrapa e contará com a participação da USP, Unesp, IZ, Apta, UFRGS, UESB, UFPR, INPA, INPE, CNPC, CIRAD (França), entre outros organismos. O papel dessa rede será organizar e sistematizar os estudos científicos em andamento e, principalmente, os estudos futuros com vistas à diminuição do impacto da atividade pecuária sobre o ambiente para a maior sustentabilidade econômica, social e ambiental dessa atividade. O projeto da rede é vasto e multidisciplinar, envolvendo profissionais de diversas áreas de atuação. A rede tem por objetivo executar o zoneamento geográfico da atividade pecuária brasileira, via satélite, identificando áreas com inadequado manejo zootécnico, como, por exemplo, áreas de pastagens degradadas. Também é objetivo da rede, aprimorar e padronizar metodologias de quantificação de gases de efeito estufa pelos animais ruminantes e suas excretas (fezes e urina), capacitar pesquisadores nestas modernas técnicas com vistas à produção de inventários de emissões desses gases nos diferentes biomas (grandes formações vegetais dos continentes) brasileiros e em diferentes sistemas de produção, desenvolver tecnologias que diminuam as emissões e outras que promovam a mitigação (diminuição dos efeitos indesejáveis) desses gases. Por último, o projeto prevê a divulgação e transferência da tecnologia para o campo. Os pesquisadores que participaram do encontro sairam muito satisfeitos com os resultados iniciais atingidos com a criação da rede e especialmente motivados com a possibilidade de encontrar soluções muito plausíveis em médio e até mesmo em curto prazo. Dentre as soluções propostas, pode-se citar o desenvolvimento de sistemas de produção mais eficientes e menos impactantes para o ambiente, desenvolvimento de tecnologias que diminuam as emissões de metano e outras que promovam a mitigação desses gases. Uma das tecnologias que é bastante promissora é o sistema silvipastoril, onde a atividade pecuária é associada à arborização das pastagens. Cálculos realizados a partir de dados estimados para um sistema agrosilvipastorial, com 250 árvores de eucalipto/ha no cerrado mineiro, mostram que seriam necessárias 13 árvores no segundo ano de crescimento para mitigar o equivalente de carbono emitido por um boi em crescimento. Se as árvores estivessem no terceiro ou no quarto ano de crescimento, seriam necessárias, respectivamente, 6 ou 4 árvores para zerar o impacto da criação de um boi sobre o ambiente. Com 8 anos de crescimento, apenas duas árvores seriam suficientes para fazer o mesmo papel. Dessa forma, se um produtor decidisse plantar 250 árvores por hectare, estas poderiam neutralizar a emissão de equivalente de carbono de no mínimo 2 bois, quando estas árvores estivessem com apenas um ano de crescimento, ou até 153 bois, quando elas estivessem com mais de 10 anos de idade. Obviamente que a quantidade de carbono capturado depende consideravelmentedo local onde o sistemaé implantado, de sua estrutura, das espécies escolhidas e do manejo adotado. Um dos objetivos da rede é definir estes parâmetros para que a informação possa ser transferida para o campo. A atividade pecuária, com áreas de pastagens arborizadas, poderia se tornar extensos armazéns de carbono para o planeta. Mesmo cortada e transformada em móveis, casas e outros, essa madeira continuaria cumprindo seu papel de armazém de carbono, abrindo espaço para novos plantios de árvores nas pastagens. Isso ainda traria uma série de outras vantagens ao pecuarista, com a renda adicional da venda da madeira; ao bovino, pela diminuição do estresse térmico com a formação de áreas de pastagens sombreadas; às próprias pastagens, com o enriquecimento dos solo; aos animais silvestres, com a disponibilidade de abrigos e alimentos; e também aos olhos de quem aprecia a paisagem. Poderá inclusive gerar receita líquida com a venda de créditos de carbono, um mercado novo, ainda estranho ao produtor, mas que cresce a cada dia que passa. Também nos resta tomar consciência que o país tem uma pecuária que pode contribuir para a diminuição do impacto dos gases de efeito estufa via módulos de sequestro de carbono, pois o Brasil possui extensas áreas de pastagens, onde a vegetação explode em exuberância e diversidade biológica, tendo tecnologias suficientemente robustas para que esse papel de mitigação dos gases possa ser plenamente exercido. Ao contrário de outros países como a Austrália, com suas extensas áreas de terras desertificadas, onde mal crescem plantas arbustivas. Ou os Estados Unidos da América do Norte, com seus confinamentos lamacentos onde os animais são criados desde muito jovens; e também a Europa, com a sua pecuária ineficiente e subsidiada. Se for fato que ao consumir carne bovina, hoje em dia, uma pessoa está contribuindo para as mudanças climáticas, no futuro, o mesmo ato prazeroso de apreciar um bife ou um saboroso churrasco, poderá contribuir para a diminuição do aquecimento do planeta por estimular a atividade de produtores rurais que se proponham a fazer uso mais sustentável dos recursos naturais. O ponto importante agora é saber com que velocidade essas mudanças benéficas e essenciais poderão acontecer no setor pecuário. Sem dúvida, a velocidade com que isso irá acontecer depende da nossa decisão, sejam nós como governo, nós como pesquisadores ou nós como cadeia produtiva. Depende de investimentos governamentais e da iniciativa privada, dacriatividade e da vontade dos pesquisadores, bem como da sensibilidade e interesse da cadeia produtiva, especialmente dos pecuaristas. Quanto aos pesquisadores, a última reunião da rede de estudos sobre os gases de efeito estufa, , em Ribeirão Preto, SP, demonstrou que só é necessária criatividade para superar os desafios, uma vez que vontade possuem de sobra. Portanto, a cada dia que passa fica mais claro que para continuar seguindo o nosso caminho de se tornar o maior provedor de alimentos para o mundo, com sustentabilidade, é necessário transpor da margem de cá do problema para a margem de lá da solução, através do caudaloso rio da ignorância, com a construção da sólida ponte do conhecimento. (*) Paulo Henrique Mazza Rodrigues é professor doutor de Nutrição Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo – FMVZ/USP e-mail: pmazza@usp.br |
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