Mercado
Reserva Florestal: uma proposta para aproveitar oportunidades de mudanças
São Paulo, 4 de agosto de 2009    
Eduardo Pires Castanho Filho (*)

A atual crise econômica exige medidas que aproveitem as oportunidades que se apresentem. O Brasil tem todas as condições de se aproveitar disso e se firmar como o maior produtor mundial de alimentos, fibras e energia renovável, além de “produtos ecossistêmicos” não-tradicionais, utilizando modelos pioneiros de desenvolvimento com tecnologias baseadas em baixo carbono e recicláveis.
Para isso, precisa modernizar sua legislação, incorporando os avanços científicos ocorridos nos últimos quarenta anos. Um desses casos é a legislação florestal, cujo Código Florestal Brasileiro CFB completa 44 anos neste ano, sendo portanto lei ainda vigente. Nele, uma aberração técnica e sócio-econômica é a chamada Reserva Florestal Legal (RFL), cujo conceito, de 1965, refere-se a essa área como no mínimo 20% daquela ainda coberta por florestas ou vegetação nativa, que precisaria ser mantida em caso de desmatamento, excluídas as áreas de preservação permanente. Em nenhum momento, porém, a reserva referia-se à área da propriedade e sim à área ainda coberta por vegetação na propriedade. Essa reserva acabou sendo inócua para os Estados do Sul e Sudeste do Brasil, visto que em 1965 já se havia ocupado a fronteira agrícola.
No entanto, em 2001 foi editada uma Medida Provisória (MP), ainda não votada, que gerou uma nova figura legal, criando no interior de todas as unidades produtivas brasileiras uma área com características de unidade de conservação que, como dispõe o artigo 225 da Constituição Federal (CF/88), é atribuída ao Poder Público e à coletividade. Com essa MP, todas as atividades agrossilvopastoris, que estavam sedimentadas, perderam numa penada, no mínimo, 20% da sua capacidade produtiva, cujas atividades agropecuárias passaram, daquele momento em diante, a serem consideradas nocivas ao meio ambiente, independentemente de elas ainda não serem proibidas legalmente. Restringir e reduzir a produção do território rural produtivo em uma época de conquista de mercados com produção ambientalmente adequada e certificada é um contra-senso absoluto.
O que se precisa é ter produção ambientalmente adequada em 100% da área, e tecnologia para isso já existe.
A área para recomposição da reserva legal equivale a mais da metade de toda área estadual ocupada com pastagens, que era de 8,07 milhões de hectares em 2008, implicando na redução da área agropecuária paulista (lavouras, pastagens e florestas econômicas) dos atuais 20,5 milhões de hectares para 16,4 milhões de hectares. Desses 20,5 milhões de hectares, quase 2,5 milhões são ocupados com florestas de propriedade privada, correspondendo, grosso modo, à área de preservação permanente existente no Estado de São Paulo, sendo 2 milhões relativos às matas ciliares e meio milhão aos terrenos inclinados e topos de morro. Assim, precisariam ser destinados à reserva legal mais de 4 milhões de hectares.
Estimativas dos impactos podem ser feitas pelo valor médio da produção por unidade de área, que em 2008 era de pouco mais de R$ 2.000,00/ hectare. Assim, a redução da renda agropecuária bruta paulista atingiria o montante de mais de R$ 8 bilhões, que, somados aos custos da recomposição que custarão no mínimo mais 16 bilhões de reais, atingiriam R$ 24,0 bilhões, ou seja, 56,0% da riqueza gerada pela agropecuária paulista em 2008. Mais grave é que se eliminariam empregos na mesma proporção.
Para os efeitos que se pretendem da reserva pela MP, de nada adiantam milhares de pseudo-reservas florestais, com algumas dezenas de hectares cada uma, respeitando no mínimo 20% da área de cada propriedade rural, porque determinadas espécies e suas respectivas cadeias alimentares e energéticas, para serem preservadas e reproduzidas, necessitam áreas contínuas de milhares de hectares. Um ecossistema, para ser preservado e manter os seus processos, enquanto unidade funcional, não tem tamanho definido aprioristicamente e essa exigência percentual pode até levar a acelerar a extinção de espécies que necessitam de grandes territórios e proporcionar o desenvolvimento de outras, contribuindo, por exemplo, para o reaparecimento de doenças praticamente extintas, visto que a fragmentação leva a um empobrecimento da diversidade biológica e a um ecossistema desequilibrado..
O tamanho médio das propriedades rurais estaduais é de 63,18 hectares, resultando em reservas legais de 12,6 hectares, absolutamente insuficientes para qualquer processo ambiental minimamente adequado.
Se se tomasse uma área acima de mil hectares como uma reserva mínima, que cumprisse de fato o que se determinou em leis e na Constituição Federal, apenas 599 unidades de produção no Estado estariam aptas a possuírem as Reservas Legais que o fossem de fato. As outras 324 mil estariam descumprindo a legislação porque não conseguiriam atender os preceitos lei.
Do ponto de vista estritamente técnico-científico, o que se reivindica é que a legislação garanta uma produção agrossilvopastoril sustentável, conservando a diversidade biológica no território estadual como um todo, utilizando-se as Classes de Capacidade de Uso das Terras como suporte. Ou seja, nada que fosse baseado em percentuais de cada propriedade, mas, sim, em qualidade e quantidade absoluta de área. Estudos já realizados para o Estado de São Paulo indicam que a proporção de terras aptas para usos florestais pode ser superior a 30%, ou seja, 50% maior do que a percentagem que a legislação florestal federal determina como mínimo.
Assim, numa política pública estadual pró-ativa, a proporção de vegetação nativa conservada deve ser definida para o Estado como um todo e não para propriedades individualizadas, podendo ter como base regiões com características ambientais semelhantes. Fundamental considerar que essas áreas estarão também produzindo serviços ecossistêmicos de grande relevância, que precisam ser remunerados adequadamente, respeitando-se os preceitos constitucionais do art. 225 da CF/88.
Uma forma de dar início a uma política pública de pagamentos por serviços ecossistêmicos seria utilizar valores baseados no custo de oportunidade médio das terras do Estado.
Fazendo-se uma hipotética evolução para 30 anos, que seria o prazo previsto para a adequação ambiental, esse dispêndio anual estaria ao redor de R$ 37 milhões, no primeiro ano, acumulando quantias semelhantes por ano até que se chegasse ao ponto desejado. No último ano e a partir daí haveria uma estabilização em torno de R$ 1 bilhão anuais, ou seja, de 2,5 a 3% do valor atual da produção agropecuária estadual, volume perfeitamente absorvível pelo atual sistema de impostos vigente no Estado, representando não mais do que 30% do ICMS arrecadado no setor rural.
Esse esquema pode embasar um novo paradigma de desenvolvimento, fugindo dos esquemas baseados em carbono fóssil e “metal-mecânico”. Há que expandir a agricultura para onde ela for viável e restringi-la onde outras atividades forem potencialmente mais interessantes. Nesse sentido, por exemplo, não há porque usar a Amazônia para a agricultura se ela é o maior produtor de equilíbrio climático do planeta.
Assim como se comercializam produtos agrícolas, tem-se que fazê-lo com os serviços ecossistêmicos não-tradicionais.
Essa discussão é interessante pelo momento que o planeta atravessa. É preciso saber o que se quer quanto ao futuro e aproveitar as oportunidades.
Não se trata, portanto, de maior rigor nas punições, nem de estabelecer mais proibições, mas de aproveitar os avanços dos conhecimentos feitos nos campos ambiental e dos agronegócios, para reverter o quadro de degradação porventura existente e manter o potencial sócio econômico dos agronegócios.

(*)Pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA-APTA/SAA)
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