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Nova política para a agricultura brasileira e mudanças estruturais no campo | |||
São Paulo, 30 de julho de 2009 | |||
Por José Sidnei Gonçalves e Sueli Alves Moreira Souza (*) Ainda enfrentando os desafios da edificação da nova política para a agricultura nacional que vem sendo realizados em intensos debates públicos pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Banco do Brasil e outras instituições e instâncias públicas e privadas no repensar do futuro da agricultura brasileira. As colocações aqui realizadas consistem numa leitura livre e aprimorada de idéias que surgiram nessas discussões, incorporando a perspectiva de São Paulo, mas num compromisso de amplitude nacional. E o ponto de partida para isso consiste na necessidade de não apenas enfrentar a crise econômica, mas de edificar o novo em termos de políticas setoriais. Além disso, crise atual que resultou na contração do crédito e que deve afetar a economia nacional no mínimo por mais um ano safra cria necessidade de inovar sendo um momento relevante para mudar o modelo de crédito rural. Alternativas que casem transparência com o estímulo à formalização da empresa rural poderiam contemplar o financiamento integrado que envolveria as necessidades globais de recursos do produtor pessoa jurídica, rompendo com a atual sistemática cultura a cultura. Essa formalização seria acompanhada da constituição de cadastro do agropecuarista no agente financeiro de sua escolha que seria incluído numa central de cadastro para que todos os agentes financeiros tenham as mesmas informações sobre os produtores. Com base nesse instrumento poderia ser criado mecanismo de alavancagem de crédito tanto para as instituições bancárias que forem boas gestoras das carteiras com operações nas quais para cada valor unitário de recursos alocados pelo banco das suas disponibilidades seria colocado dado percentual de recursos geridos por mecanismos governamentais. Por outro lado, uma idéia seria o “spread” negativo para pessoas jurídicas que se mostrassem boas pagadoras, rompendo com a atual sistemática em que as benesses adotadas, não diferenciando os agropecuaristas que honraram seus compromissos dos que não o fizeram, penalizam o bom pagador. A sistemática de financiamento integrado da empresa rural que poderia ser pensada numa lógica de crédito plurianual, envolvendo custeio de lavouras semi-perenes e perenes além das criações e mesmo para um conjunto de atividades anuais determinada pela capacidade produtiva da pessoa jurídica que esta dada modificando-se apenas a composição de culturas-e, para diferenciar de forma explícita, seriam estipulados “spreads negativos” para quem manteve seus compromissos financeiros em dia. Por outro lado, tal como existente para empresas urbanas do comércio, indústria e serviços, os agropecuaristas que avançassem na formalização de seus empreendimentos estariam submetidos a um único mecanismo de tributação configurado no Simples Agropecuário – agropecuário e não simplesmente rural para incorporar parcela relevante da agricultura urbana-. Isso porque o atual sistema tributário além das distorções alocativas com a proliferação de mecanismos como a guerra fiscal, acaba penalizando a renda bruta – riqueza criada – e não a renda líquida –riqueza acumulada – e quase não impacta o patrimônio. Nesse aspecto poderia ser revista a exigência da declaração anual do Imposto de Renda, com a adoção de base de cálculo plurianual com base na média trienal e/ou qüinqüenal dependendo do tamanho do empreendimento – e não da propriedade – com mecanismos que estimulem a intensificação do uso do solo com atividades complementares como integração lavoura-pecuária e safras complementares como a renovação de canaviais. A diferenciação tributária em alíquotas pelo tamanho do empreendimento reforça a idéia de formalização da empresa agropecuária. Mas todos os tributos seriam recolhidos com base numa alíquota única para cada patamar de incidência. O sistema tributário da empresa rural poderia incluir outro mecanismo capaz de alterar a relação com a propriedade fugindo dos limites do patrimonialismo que confere à terra a condição de “capital morto”. Desse modo, na esteira do aperfeiçoamento dos títulos financeiros dos agronegócios como mecanismos de formalização contratual e mobilização de recursos deveria ser criado um ou mais títulos lastreados na propriedade, endossáveis e com execução extra-judicial, que poderiam ser transacionados para mobilizar recursos para investimento criando um mercado secundário de terras no Brasil. Com isso, na mesma forma que se transforma o produtor rural em empresa rural, formalizando sua produção, transforma-se o patrimônio fundiário em capital. Para tanto, poderiam ser adotados estímulos tributários para que empresas rurais detentoras desses novos títulos fundiários lastreando seu capital promovessem a ressurreição do capital morto representada pela propriedade fundiária tal como ela está atualmente. Isso teria como contrapartida a garantia plena da propriedade que lastreia os títulos exigindo-se para tal o cumprimento da exigência de georeferenciamento já definido em instrumentos legais apropriados. Em adição, sintonizando com a formalização e a securitização dos títulos de propriedade fundiária – mecanismo similar já foi adotado para o patrimônio imobiliário urbano, pois dados em garantia para empréstimos esses títulos podem reduzir as taxas de juros, na medida em que reduzem os elevados custos de recuperação do crédito. Nesse mesmo caminho de formalização do empreendimento agropecuário e de garantia da propriedade pela transformação do patrimônio fundiário em capital agrário, deveria ser adotado mecanismo de estímulo à preservação ambiental. Isso porque o Código Florestal como está posto insere medidas inaplicáveis como a exigência de reserva legal em percentuais diferenciados para cada região brasileira. Desde logo há inúmeras pendências jurídicas que devam ser superadas na revisão do referido Código. Mas o que se quer focar aqui consiste no fato de que se aproveitando da oportunidade de revisão do sistema tributário da agropecuária seja incluída a modernização do Imposto Territorial Rural (ITR) conferindo-lhe uma perspectiva não arrecadatória. Para isso poderiam ser adotados estímulos econômicos de renuncia fiscal para propriedades em função da manutenção de reservas legais. Por exemplo, para cada 1 hectare de reserva mantida seriam desonerados do ITR outros 2 hectares na mesma propriedade. E no limite, se mantida toda a propriedade em reserva legal, o proprietário receberia o equivalente a dois terços do ITR como ressarcimento pela sociedade pela prestação do “serviço” ambiental de preservação da reserva legal. Trata-se de buscar uma remuneração justa pela produção de melhor qualidade de vida e, na média, cerca de um terço da propriedade mantida como reserva legal zeraria o tributo fundiário a ser pago. Por óbvio seriam excluídas dos cálculos, e também isentas de tributo, as áreas de preservação permanente (APPs) e, na adoção dessas medidas seriam revistos os valores cobrados a título de ITR, mais elevados e compatíveis com a plena garantia do direito de propriedade rural e com a construção de mecanismo econômico sério de estimulo à preservação e/ou recomposição das áreas de reserva legal, no interesse da sociedade brasileira. Em linhas gerais, o ITR do ponto de vista fiscal continuaria sem relevância arrecadatória, mas seria transformado num instrumento mais eficiente no sentido de estímulo econômico ao cumprimento da função social da propriedade. Mas ainda no crédito, há que se garantirem recursos no patamar necessário para o financiamento das operações do próximo ano safra bem como que tal seja um indicativo de adoção de planos plurianuais compatibilizados com o financiamento da empresa e não de cada atividade da empresa. Uma decorrência visível da atual crise econômica consiste na a redução da oferta de crédito por parte de bancos, empresas de insumos agropecuários e de tradings setoriais, trazendo à tona a dependência de recursos que a agropecuária tem dos demais segmentos da agricultura. A crise econômica traz no seu conteúdo a prioridade da manutenção e geração de emprego formal como uma exigência da manutenção da lógica de progressiva incorporação das massas trabalhadoras aos benefícios do processo de desenvolvimento para que não exacerbem ainda mais as iniqüidades ainda elevadas da sociedade brasileira. Uma das perspectivas com que a agropecuária pode contribuir consiste na geração de oportunidades de trabalho. Uma nova política para a agricultura que incorpore a geração de empregos como um dos seus elementos determinantes deve incorporar na plenitude as normas emanadas de organizações internacionais reguladoras das condições de trabalho (a principal consiste na Organização Internacional do Trabalho - OIT) buscando a redução do trabalho extenuante, aumento da preocupação com a segurança no trabalho e com a saúde do trabalhador agropecuário e, principalmente, com a adoção de mecanismos que impulsionem a formalização do mercado de trabalho no campo. Para isso há que se realizar a incorporação de princípios da reforma trabalhista que rompa com a “camisa de força” que impõe constrangimentos desnecessários e estimuladores da “expulsão do homem dos processos produtivos agropecuários” estimulando o desemprego. Por exemplo, deve ser abolido porque não faz qualquer sentido lógico a exigência de número máximo de trabalhadores contratados, incluída nas normas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Ademais as fiscalizações do Ministério Público e do Ministério do Trabalho, face ás normas legais vigentes, representam um elemento de intimidação da contratação de pessoal permanente na agropecuária. Há que se compatibilizar o aprimoramento da segurança e das condições de trabalho, com maior nível de emprego, como condição da nova agropecuária pujante e ampliadora do emprego com salários dignos e não da mecanização de processos ao limite gerando desemprego. Isso enseja mudanças constitucionais e da legislação trabalhista. Noutro campo, há que se buscar a consolidação da legislação de qualidade de produtos e processos, inclusive normatizações de caráter ambiental, de forma a eliminar disputas intra-governamentais e decisões atabalhoadas e conflituosas que conferem insegurança jurídica desestimulando o investimento produtivo. A legislação da qualidade de produtos e processos, inclusive a de defesa sanitária animal e vegetal, está centralizada no Governo Federal, com reduzido espaço para ações estaduais, ainda assim por competência delegada. Além disso, há visíveis conflitos entre as ações ministeriais que formam uma realidade de conflitos inibidora da formação de expectativas ao avanço do investimento, terreno fértil para as disputas entre ministérios no plano federal e entre secretarias no plano estadual (envolvendo Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente, Saúde e Trabalho). Por exemplo, a discussão ideológica da regulação dos transgênicos, gerou uma legislação ineficiente e ineficaz que não contempla as diferentes características técnicas e econômicas desses transgênicos, fragilizando a consistente atuação governamental na matéria, pois trata a soja RR com a mesma norma do feijão resistente ao mosaico dourado, conquanto tanto do ponto de vista agronômico como nos seus impactos econômicos e sociais, trata-se de transgênicos totalmente distintos. E ainda não se regula adequadamente os defensivos agropecuários. Isso enseja mudanças gerando maior consistência da governabilidade e ação governamental. O esforço para melhorar a qualidade dos produtos e processos na agricultura, fundamental para garantir o acesso ao alimento seguro, com qualidade certificada e rastreado em toda sua cadeia de produção. Isso com ações garantidoras da qualidade que assegurem alimentos sadios tanto para atender aos mercados externos no caso das exportações, como no abastecimento interno. A qualidade, como atributo do alimento seguro, deve ser buscada na sua amplitude mais ampla, tanto na perspectiva sanitária quanto do controle de resíduos. Isso numa concepção de que o alimento seguro representa uma característica do produto da agricultura estadual e destina-se a todos os residentes em território brasileiro e à construção de sólida inserção competitiva no mercado internacional. A competitividade internacional da agricultura paulista advém da aplicação destes princípios de qualidade que devem ser modernizados da ótica conceitual e institucional, remodelando as estruturas do sistema nacional de vigilância e defesa sanitária numa perspectiva mais ampla de defesa da agricultura. Esse Sistema deve incorporar inteligência aos processos dando ênfase à análise de risco nos elos do fluxo produção-consumo da agricultura e a capacidade de diagnosticar situações de alerta sanitário. O objetivo é prover a nação de sistema capaz de responder rapidamente a eventos que ponham em risco a sanidade agropecuária e assegurar de forma incontestável à qualidade dos alimentos produzidos no território nacional. O bom funcionamento dos mecanismos transacionais da agricultura inserida no mercado financeiro depende da menor assimetria de informações que por sua vez associa-se a mecanismos regulatórios eficientes enquanto elementos mitigadores de risco – importante componente dos custos de transação nas transações financeiras - o que também conduz à exigência de estrutura consistente do sistema de defesa da agricultura, como garantia de realização da produção dentro dos padrões exigidos e contratados, coibindo movimentos especulativos. Daí a necessidade de fixar uma concepção de sistema de defesa da agricultura na sua abrangência estrutural dentro do fluxo produção-consumo da agricultura como seus nuances que contemplam um complexo de agentes produtivos que devam ser incorporados ao processo. Da mesma forma, no império da qualidade rompe-se com a lógica estreita da idéia de defesa agropecuária como mero apêndice agronômico e/ou veterinário de combate a pragas e doenças para configurar a lógica ampla e complexa do alimento seguro compatível com a concepção de saúde, demanda típica de uma sociedade que resolveu o problema da produção de alimentos, mas que enfrenta outros desafios que mais que o acesso a alimentos, cada vez mais importa principalmente sua qualidade. E essa agregação da qualidade como atributo da produção consiste num novo momento da agricultura nacional que atingiu os mais elevados padrões de modernidade da ótica dos elementos forjadores da produtividade total dos fatores na agropecuária – compreendida como lavouras e criações na conformação dentro da propriedade rural-, que está entre as mais elevadas do mundo. Aí está um elemento nem sempre percebido pelas políticas de defesa da agricultura, qual seja que não são os aparatos reguladores nem as estruturas de fiscalização que conformam a qualidade de produtos e processos, incluindo o aspecto sanitário. É a propriedade agropecuária que produz a qualidade e por isso há não somente que ser estimulada a proceder como tal com base em boas práticas produtivas como também ser protegida no respeito à qualidade dos insumos e máquinas. Daí ser parte essencial da nova política para a agricultura brasileira. (*)José Sidnei Gonçalves, Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências Econômicas, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (e-mail: sydy@iea.sp.gov.br) (*)Sueli Alves Moreira Souza, Economista, Pesquisadora Científica do IEA/APTA (e-mail:sueli@iea.sp.gov.br |
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