Mercado | |||
Menos graus de liberdade | |||
São Paulo, 21 de abril de 2009 | |||
"Vocês têm suas línguas e eu tenho a minha" Gibran Kalil Gibran Celso Luis Rodrigues Vegro (*) No quartel de Abrantes tudo como dantes. O mercado patina em torno de cotações as quais se mantém quase que estáticas desde março de 2005 (1). Assim, melhor deixar de lado, ainda que apenas provisoriamente, comentários sobre esse tema e direcionar imediatamente esta análise para aquilo que verdadeiramente é do interesse do agronegócio café: a política direcionada para a lavoura que traz de arrasto outro aspecto igualmente crucial que é a gestão do FUNCAFÉ, complementado ou não com os recursos financeiros provenientes dos cofres do Tesouro Nacional. Na estatística e na econometria, ciências em que a aplicação dos graus de liberdade (2) condiciona a validade e o alcance dos resultados obtidos, esse indicador procura mensurar quanta independência há dentro de um conjunto de observações. Na medida em que se acrescentam parâmetros a serem estimados, perdem-se graus de liberdade ao ponto de, em casos de amostras limitadas, exibirem resultados não confiáveis ou até mesmo matematicamente impossíveis. Essa é uma maneira de caracterizar o conceito. Outra é aquela que provém do mais fecundo pensamento político-econômico da atualidade (3) em que mais graus de liberdade são elementos construtores de maior patamar de desenvolvimento. O passo estirado que tanto distingue o perfil heterogêneo da sociedade brasileira é o fenômeno que mais contribui na manutenção de seu estado de subdesenvolvimento, tão bem caracterizado pela imagem da "contemporaneidade dos não coetâneos" (4) (ou como prefere Celso Furtado, das ilhas de excelência). O processo que reproduz seu atraso é produto de um padrão particular de acumulação capitalista que, nessas terras, logrou perpetuar os mecanismos de concentração da riqueza e, conseqüentemente, exclusão do mercado de parcelas majoritárias de sua população. Frente a tal realidade, a dimensão da política decisória ganha contornos que, se por um lado são inescapáveis, por outro, podem se converter em fatores que perpetuam o consenso conservador refratário a mudanças substanciais (5). O regime de funcionamento corporativista do sistema político brasileiro pressiona suas estruturas decisórias visando o usufruto de vantagens, especialmente, as pecuniárias. Emblemática é a postura dos bancos em sua contínua defesa da política econômica ancorada numa taxa de juros elevada que legitima a introdução de monumentais spreads até nos mais modestos financiamentos, como por exemplo, a compra de um fogão novo nas lojas de varejo de eletrodomésticos (cobrando 150% de juros sobre o principal em apenas 12 meses!). Ao menos, nas cooperativas de crédito, encontram-se alternativas formais para o imenso lucro dos bancos. Trazendo essa discussão para a pauta que nos interessa (os negócios com o café), percebe-se uma forte herança nos propósitos políticos que é a necessidade de tutela governamental. Que a extinção açodada do IBC foi um equívoco é questão que não se discute, porém desejar viver como um pássaro engaiolado não quer me parecer que seja a maneira mais sábia de nessa Terra existir. Historicamente, a cafeicultura brasileira espraiou-se pelos cinturões que atualmente concentram essa lavoura; sob o auguro das orientações da classe política dirigente, houve sempre articulações destinadas unicamente a amparar a renda dos cafeicultores: elementos como a manipulação da taxa de câmbio; acordos para a retenção dos embarques; queima de estoques; subsídios ao plantio ou a erradicação; acordos internacionais de garantia de preços; novas tentativas de retenção; oferta de produto dos estoques públicos aos torrefadores, com prazos elásticos para o pagamento a valores nominais de suas aquisições, e, mais recentemente, prêmios pagos diretamente aos cafeicultores, especialmente a alguns que não precisavam desse subsídio (6). Todavia, o IBC foi efetivamente extinto. Sepultado estava o regime de tutela sob o qual se encontrava o segmento desde tempos imperiais. Enfim a almejada liberdade para tomar decisões e gerenciar com profissionalismo e eficiência o negócio fora alcançada. Uma lástima: eram apenas discursos vazios, já que, em 1992, rebentou-se a primeira crise da cafeicultura pós-instituto que na época recebeu por denominação movimento "S.O.S. Cafeicultura" (7). Manifestações programadas seguida de reuniões agendadas e compromissos firmados para que se arrancasse dos cofres da viúva mais uma renegociação de saldo devedor com aditamento contratual em termos de prazos de carência e rebates do saldo devedor. Geada seguida por seca formaram o contexto de distúrbios climáticos que assolaram os cinturões cafeeiros da safra 1994/95. As cotações reagiram e os cafeicultores prudentes se recapitalizaram visando honrar seus compromissos financeiros, destacadamente, os cafeicultores familiares. Mesmo com o real supervalorizado, as cotações alcançaram patamares remuneradores gerando-se inclusive uma corrida para o plantio de novos talhões e reforma dos já desgastados. Todas as lavouras com cerca de 10 anos remontam a essa auspiciosa época. Ciclo econômico é cíclico mesmo (8). Ao início dessa década as cotações voltaram a cair e a lavoura não mais se pagava. E tome pressão política sobre o governo, no caso, sobre sua esfrangalhada estrutura de tomada de decisões. Alguns cafeicultores e suas preciosas cooperativas foram financeiramente irrigados com dinheiro público graças ao afrouxamento do garrote representado pelos contratos não cumpridos. Todavia, era preciso ir além! Sob a bandeira de construção de um mecanismo de ordenamento do mercado, pactuou-se com os demais países produtores um plano que visava a retenção dos embarques, artificialmente forçando as cotações para patamares mais elevados o que de fato aconteceu nos primeiros 10 dias após a celebração do malfadado pacto. Depois disso, o Brasil amargou prejuízo em seu comércio exportador em aproximadamente US$ 400 milhões, uma vez que nenhum outro país reteve uma saca sequer, tratando de aproveitar imediatamente o surto altista daquela semana para intensificar seus embarques. O país mais uma vez foi mal sucedido. Para os modernos pedagogos, os fracassos são imensamente ricos em aprendizado e que por fim nos tornam mais sábios. Penso se essa tese não seria por eles defendida caso conhecessem o passado e o presente da política cafeeira. Prometo, a história já vai se acabar. Alcançamos a segunda metade dessa década com cotações novamente em baixa e alarde generalizado pelos diversos cinturões cafeeiros. As cotações do petróleo foram às alturas com reflexos imediatos sobre o preço dos fertilizantes. O alarido aumentou e outra mobilização foi convocada. Dessa vez em Varginha/MG, reuniu-se nova leva de marchadores. Sobre o palanque montado, grandiloquentes discursos foram despejados para uma plenária quase indolente. Seus ecos ouvidos, carta manifesto lavrada e pouco tempo depois a estrutura decisória anuiu em receber uma parte das amortizações em atraso sob a forma de escambo. Renasce uma maneira de mercadejar que desde os tempos da Colônia não tínhamos notícia! Incrível a criatividade desse povo tupiniquim, pena que atavicamente ancorada com os ditames do passado. Qual é então a moral da história? Sabe aquela informação que vive camuflada? Pois dela que vou eu agora tratar. Todo esse empenho da estrutura decisória do governo foi mobilizada em benefício de quem? Em outra oportunidade, ao analisar o último relatório do FUNCAFÉ, destaquei que a adimplência dos contratos de até R$ 10.000,00 era de 98% enquanto, por sua vez, a inadimplência naqueles com valor de face acima dos R$ 500.000,00 superava os 30%. A cafeicultura empresarial padece e todas as demais classes de cafeicultores se convencem que o governo não atua e que, nesse momento, desamparar seus congêneres do andar de cima significa uma traição imperdoável. Então, vamos marchar! Enquanto isso a manifestação da liderança política é mais que pungente: "Todo o mês o Conselho Monetário Nacional aprova sete ou oito votos para prorrogar algumas dívidas... Não há mais o que fazer" (9). Não se engane amiga leitora, pois há sim o que fazer, embora o contexto seja comovente, chorar não irá resolver. Vou desfilar algumas solucionáticas (uma dúzia), mesmo reconhecendo que permanecerão órfãs de leais marchadores que por elas se encantem: 1 - crédito para fixação de contratos em Nova Iorque a prazos mais alongados; 2 - crédito para captura de parcelas de mercado dos concorrentes (café verde e T&M); 3 - já que nós temos "o cara", valer-se dessa alcunha para pressionar a Bolsa de Nova Iorque para criação do contrato B e do contrato CD (cereja descascado); 4 - tornar rotineiras as aquisições públicas de café por meio dos contratos de opções assim como já acontece mensalmente com os leilões públicos dos estoques para abastecimento das torrefadoras; 5 - fomentar a utilização do hedge para assegurar rentabilidade na exploração; 6 - instrumentalizar os cafeicultores com ferramentas de gestão que promova a maior eficiência produtiva; 7 - instituir massivamente os contratos de seguro rural; 8 - sanear os novos títulos do agronegócio das taxações que limitam sua utilização; 9 - conceder empréstimos para a aquisição por empreendedores brasileiros de torrefadoras na UE e nos Estados Unidos vinculados a utilização de pelo menos 70% de café brasileiro no blend produzido; 10 - regulamentar imediatamente o drawback; 11 - rejeição visceral à tentativa da indústria de acrescentar água ao café torrado e moído; e, 12 - criar mecanismo de consulta pública ao cadastro positivo da cafeicultura e conceder vantagens financeiras para os nele inscritos. Esvaziar a mente de idéias faz parte do ofício do cientista e do filósofo. Sem isso fazer não lhes torna possível encher seus estômagos. O confortável caminho de retorno à tutela venceu e a mentalidade arcaica triunfou. Menos graus de liberdade, mais subdesenvolvimento para essa que foi uma lavoura da qual todos se orgulhavam e os demais invejavam. Ainda acima mencionamos o estômago. Então por que não fazer um sonoro brinde ao obsoletismo? O autor agradece ao técnico de apoio Gilberto Bernardi pela colaboração na coleta e sistematização dos dados básicos e, ainda, as sempre oportunas e bem vindas sugestões do pesquisador do IEA, Dr. Francisco Alberto Pino e do professor da FGV/SP, Dr. Felix Schouchana. (1) Ao se furtar de apreciar a dinâmica do mercado, serei breve. Com isso ganha a amiga leitora que poderá poupar suas já entediadas vistas que, em parte, nisso se tornaram em decorrência de tanto que me estendo nessas minhas confusas análises. Sempre é tempo para o perdão, por isso rogo-lhes o seu, oferecendo-lhes em contrapartida a brevidade das palavras acertadas. (2) Na verdade o conceito de graus de liberdade surgiu primeiro nos domínios da física e dela foram adaptados para as demais ciências. (3) O prêmio Nobel de Economia Armatya Sen foi quem primeiro sistematizou esse conceito através do livro Development as freedom (1999). Nele procura romper com visões estreitas sobre a problemática do desenvolvimento, enfatizando questões de outras dimensões como a ética e a moral, a política, a justiça, e como profetizou Celso Furtado, a criatividade humana. Após a publicação desse livro o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) passou a pautar as análises das principais instituições que lidam com as questões ligadas ao desenvolvimento. (4) Imagem criada pelo Prof. Dr. Cândido Mendes. (5) Particularmente ao caso das políticas distributivas como o Bolsa Família e outras tantas de igual escopo. (6) Para entender esse assunto consultar nesse mesmo site o artigo: "Café: decisões adaptadas as conveniências do pecúlio". (7) Nesse caso, os ciclos da história, de tão irônicos, aborrecem. (8) A semelhança com a estultice presidencial de que câmbio flutuante flutua é apenas uma coincidência. (9) ZANATA, M. BC avalia medida que preserva status de risco do produtor. Jornal Valor Econômico, 01/04/2009. B12. Celso Luis Rodrigues Vegro é Mestre em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade e Pesquisador do IEA, celvegro@iea.sp.gov.br |
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