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Tsunami na braquiária | |||
São Paulo, 6 de abril de 2009 | |||
Por José Sidnei Gonçalves e Sueli Alves Moreira Souza (*) Depois das florestas, das granjas e do açúcar e álcool, a crise chega aos pastos. E até aonde irá? A crise econômica internacional que eclodiu durante o ano de 2008 já foi considerada uma “marolinha” na medida em que atingindo as nações desenvolvidas nas quais seria um tsunami, chegaria ao Brasil com pouca força. Na verdade, como uma economia ainda pouco aberta ao processo de globalização, os efeitos aqui tendem a ser menos perversos, uma vez que na mesma medida em que a economia nacional não usufruiu as elevadas taxas de crescimento verificadas no mundo no período recente, exatamente em função do baixo grau de abertura, tenderá a ser menos impactada na crise. Entretanto, tendo em vista que não foi construído alicerce sólido de finanças públicas que garantam razoável capacidade de intervenção estatal e para a agricultura ficaram pendentes questões estratégicas como a elevada dependência da importação de fertilizantes e o acúmulo de dívidas rurais que atingiram marcos estratosféricos, os impactos da crise podem ensejar situação dramática para o campo brasileiro. Esses limites são tão nítidos que, às vésperas de lançamento do Plano de Safra 2009/2010, já se admite de forma explícita que o montante de recursos que serão direcionados para a próxima safra não atingirá os montantes esperados pelo setor ( ). Efeito dominó da crise sobre segmentos tidos como sólidos Isso implicará em irradiar a crise de forma mais contundente para o segmento de grãos e fibras, o qual com certeza já sofrerão os impactos de haver semeado a safra 2008/2009 com elevados custos derivados dos altos preços dos insumos verificados no final do primeiro semestre de 2008 e, principalmente, da pressão dos preços do diesel e da elevação da taxa de juros até outubro – os recursos disponibilizados a taxas oficiais são insuficientes exigindo tomar de outras fontes tornadas mais caras pela política monetária-, encarecendo sobremaneira o custeio das lavouras e o transporte até os centros consumidores e/ou os portos. Isso terá efeito dramático na economia nacional, não devendo ser esquecido o fato de que, para uma economia cujo Produto Interno Bruto cresceu 5,1% na comparação de 2008 com 2007, a agropecuária que cresceu 5,8% teve esse desempenho conformado antes da crise, sendo produzido no primeiro semestre de 2008, exatamente em função do desempenho das lavouras ( ). A preocupação consiste exatamente no fato de que as autoridades demonstram não estar convictas da gravidade da crise e de seus possíveis efeitos na economia e principalmente na agricultura brasileira. Isso porque se for verdade de que os impactos podem ser menos dramáticos na realidade brasileira comparada aos vividos pelas nações desenvolvidas, aqui os reflexos podem ser dramáticos face à reduzida capacidade fiscal de enfrentamento das demandas setoriais. E como o movimento da economia brasileira estava defasado em relação ao ritmo da economia mundial, em especial dos países emergentes, progressivamente as ondas que se propagam globalmente vêm batendo na realidade nacional. Ainda no segundo semestre de 2008 surgem os prejuízos da agroindústria de papel e celulose representada pela Aracruz e da agroindústria de carne avícola tendo atingido a Sadia. À época constatou-se que “o sinal de que a crise financeira com epicentro nos Estados Unidos pode causar mais estragos no Brasil do que muitos acreditavam. A alta do dólar, que chegou a beirar os 18% em setembro, efeito colateral da crise, complicou as contas de algumas exportadoras brasileiras que mantinham, até então, posições no mercado de derivativos de câmbio destinadas inicialmente a reduzir o impacto de um movimento oposto: o da valorização do real” ( ). Tratava-se de empresas que haviam se aventurado no mercado financeiro, em especial no cambial, e que teriam feito uma avaliação errada das expectativas. Em decorrência da mesma crise, nestes dias, “a Veracel e suas terceirizadas anunciaram a demissão de cerca de 760 trabalhadores da produção de eucalipto no extremo sul da Bahia. Com a readequação à crise econômica, a empresa --formada pela associação da brasileira Aracruz e da sueco-filandesa Stora Enso-- e as prestadoras de serviços realizarão o desligamento de 18% dos 4.200 empregados diretos e indiretos” ( ). Era o tsunami balançando as florestas. Expansão do álcool perde energia Mais recentemente os impactos da crise atingem em cheio o principal segmento da agricultura paulista representado pela agroindústria canavieira, levando o Grupo Nova América, líder do mercado interno de açúcar e detentor da marca união, a ser incorporado pelo Grupo Cosan, que “deverá processar cerca de 56 milhões de toneladas de cana na temporada 2009/10, que começa por volta de abril, ampliando em mais de 10 milhões de toneladas a moagem registrada em 08/09, ao passar a contar com as unidades da Nova América” consolidando “sua liderança global no setor sucroalcooleiro, com 10 por cento do processamento de cana no Brasil” ( ). Na verdade a euforia setorial já vinha sendo abalada com os menores preços do açúcar desde 2006 aprofundados com a valorização cambial. Mas quando o câmbio se ajusta, o faz em plena eclosão da crise, elevando custos das captações realizadas. Portanto, mais uma vítima da crise financeira, “em agosto, a Nova América teve de refinanciar uma dívida de R$ 300 milhões relacionada à emissão de debêntures feita no ano passado. Resolveu apenas parte do problema. Precisará ainda repactuar um valor em torno de R$ 200 milhões referente a dívidas com vencimento em 18 meses. O novo acionista terá de arcar também com o plano de investimentos da companhia, em torno de R$ 350 milhões. Sem recursos disponíveis, os atuais controladores da Nova América suspenderam a construção de uma usina de álcool e açúcar em Naviraí (MS) e devem desistir da aquisição da usina Pau D’Alho, em Ibirarema (SP), economizando R$ 100 milhões. Também foi cancelada a instalação de três fábricas de açúcar” ( ). Além da concentração do capital com a incorporação realizada, há uma freada nos investimentos setoriais programados. Tanto assim que essa perspectiva se mostra ampla no complexo canavieiro, uma vez que “prejuízos acumulados, falta de crédito, custos altos, ameaça de falências e de calotes - o setor mais badalado da economia brasileira é a nova vítima da crise financeira mundial”. Há uma significativa reviravolta nas expectativas, uma vez que “os investimentos em novas unidades cresceram de 2,2 bilhões de reais na safra 2005/2006 para 7,2 bilhões de reais na safra 2008/2009. A expectativa era que esse número seguisse em sua trajetória ascendente nos anos seguintes. Mas a crise financeira mundial chegou, atingindo em cheio os produtores de álcool brasileiros - e a montanha-russa do setor inicia agora o que muitos temem ser uma vertiginosa descida. O principal vetor do impacto da crise é a falta de crédito. Primeiro, porque o dinheiro disponível para ampliação e construção de usinas evaporou. Dos 136 projetos de novas usinas previstos para ser implantados no Brasil até 2014, cerca de 40, ou 30%, já foram postergados ou cancelados. Dos 32,6 bilhões de reais que seriam usados na construção desses novos empreendimentos, 8,2 bilhões de reais deixarão de ser investidos” ( ). Mas há enorme capacidade instalada que custou investimentos vultosos que estão sendo depreciados com o tempo. E outros grupos estão em dificuldades, uma vez que a “combinação de dificuldades resulta num cenário desafiador até mesmo para os principais grupos do país. A Santelisa Vale, terceira maior empresa do setor, vive um momento crítico. Chefiada pelo empresário André Biagi, a Santelisa era um exemplo da nova fase do mercado sucroalcooleiro local. A empresa, resultado da fusão da usina Santa Elisa com a Vale do Rosário, recebeu investimento de gigantes como o banco de investimento americano Goldman Sachs e o fundo Riverstone. Em 2007, foi a melhor e mais rentável companhia do setor. Há, porém, um problema: a Santelisa carrega uma dívida pesada demais. Essa dívida é estimada em 2 bilhões de reais. Boa parte se deve ao empréstimo de 1,3 bilhão de reais feito pelo BBI, braço de investimentos do Bradesco, para concretizar a fusão entre Santelisa e Vale do Rosário em fevereiro de 2007. Um débito de cerca de 300 milhões de dólares foi originado em contratos de operações cambiais. A dívida da Santelisa equivale a um ano de seu faturamento, estimado em 1,8 bilhão de reais por ano. Em razão do custo dessa dívida, a companhia tem negociado com os fornecedores de cana-de-açúcar o pagamento de metade do que deve à vista e o restante em 30 dias. A empresa chegou a colocar 14 terrenos à venda para fazer caixa. Segundo EXAME apurou, a Santelisa ainda estuda demitir 20% dos funcionários para diminuir a folha de pagamentos em 12%. No final de 2008, estima-se que a Santelisa vá registrar um prejuízo de 800 milhões de reais”(7). E os problemas atingem também unidades instaladas, pois, “além da falta de recursos para investir, há um problema mais imediato - e muito mais agudo. Os bancos estão travando o financiamento do capital de giro das usinas, o que pode sufocá-las. Localizada em Sertãozinho, no interior de São Paulo, a tradicional usina Albertina recorreu recentemente à recuperação judicial para evitar que seus credores pedissem a falência da companhia. A Albertina tem uma dívida estimada em 100 milhões de dólares, mais de 50% com vencimento previsto para os próximos 12 meses. O grupo Naoum, de Goiás, também ingressou com um pedido de recuperação judicial para evitar a paralisação de suas três usinas - Santa Helena, Jaciara e Pantanal, que faturam mais de 300 milhões de reais por ano... Talvez a principal conseqüência da crise financeira atual seja a demonstração de que o setor tinha pouca solidez - e de que essa fraqueza era ocultada no período de abundância de recursos. Os custos de produção, por exemplo, vêm crescendo a uma velocidade preocupante. Nos últimos 18 meses, custos básicos como mão-de-obra, frete, fertilizantes e outros insumos subiram 25%” (7). E com petróleo recuando de US$ 160/barril para patamares de US$ 50/barril, a opção pelo álcool não encontra respaldo econômico no curto prazo. E não há saída de curto prazo, pois “em razão dos altos investimentos dos últimos anos, o setor tem hoje um excesso de capacidade. Ou seja, produz mais que a demanda dos mercados local e internacional. Estima-se que, na safra 2008/2009, sejam produzidos 27 bilhões de litros de etanol no país. A demanda global não vai passar de 25 bilhões de litros... No mercado local, responsável por cerca de 85% das vendas do etanol brasileiro, a situação é menos complexa. Como o governo tabela o preço dos combustíveis, o álcool e a gasolina mantiveram nos últimos anos uma proporção de preço que fez do etanol uma opção mais econômica para o consumidor. Hoje, o etanol responde por 51% de todo o combustível comercializado no Brasil. E mais de 90% dos veículos novos vendidos no país têm motor flex - o equivalente a 2,5 milhões de unidades por ano. Caso o governo permita a diminuição do preço da gasolina, porém, o risco para o etanol aumenta. Como o rendimento do álcool é cerca de 30% inferior, o etanol só é viável se seu preço for equivalente a, no máximo, 70% do valor da gasolina” (7). Mantidos os preços da gasolina nos patamares atuais mesmo com a queda dos preços do petróleo, o que se tem configura num heterodoxo mecanismo de socialização dos prejuízos, ao manter alguma competitividade de curto prazo para o álcool brasileiro no mercado interno com maiores preços da gasolina para o consumidor. Até quando... Agora o tsunami chega ao pasto A pecuária bovídea nunca havia experimentado um período tão nobre na história da agricultura brasileira, quase sempre associada a ciclos centrados na expansão das lavouras. Nos últimos anos a partir das exportações de carne bovina ganhou destaque tendo experimentado um dos mais relevantes movimentos de modernização com ganhos expressivos de produtividade. Mesmo quando a cana avança sobre pastagens paulistas, o circuito pecuário se redesenha não só especializando a estrutura paulista como ganhando dimensão nacional ao avançar para outras regiões. Ainda que com percalços, a questão sanitária evoluiu e garantiu a inserção externa de uma carne barata, produzida a pasto respeitando a condição natural do boi como animal herbívoro, em contraposição ao boi tornado carnívoro ao alimentar-se de farinha de carne e de ossos nos estábulos de nações desenvolvidas. Mais recentemente, também a pecuária de leite brasileira experimentou surto de exportações, ainda que de magnitudes mais modestas. Mas veio a crise, na qual além das restrições de crédito para transações externas, as receitas de inúmeros mercados importadores que estavam associadas ao petróleo como na Rússia recuaram e travaram as vendas da pecuária brasileira. E nesse contexto os problemas se exacerbam. No estratégico segmento de lácteos, “a Indústria de Alimentos Nilza, que entrou com pedido de recuperação judicial..., a companhia, uma das maiores produtoras de leite longa vida do País, confirmou ainda que o valor de sua dívida chega a R$ 200 milhões. No auge de suas atividades, a Nilza chegou a processar 1,2 milhão de litros de leite por dia, volume que caiu para 800 mil litros, no início da crise. A empresa informou que espera um processamento diário de 500 mil litros de leite durante o período de recuperação judicial” ( ). Os impactos na estrutura produtiva não são desprezíveis, uma vez que uma enorme gama de pecuaristas que investiram e modernizaram suas unidades de produção não apenas não receberão os valores devidos pelo leite entregue nos últimos meses como negociarão com novos processadores – se encontrarem interesse- em situação de reduzido poder de barganha numa realidade de preços cadentes. Isso enseja mais que um problema econômico um problema social, na medida em que o leite não ordenhado não pode ser recuperado e como perecível, se não entregue, sofre rápida deterioração. Mas a crise também afetou de forma decisiva a pecuária bovina de corte, uma vez que nos últimos meses, “de acordo com dados da Abrafrigo (Associação Brasileira da Indústria Frigorífica), 50 frigoríficos já fecharam as portas ou suspenderam abates nos últimos meses, de um total de 750 empresas no país nesse setor. A suspensão das atividades representou a demissão de 15 mil trabalhadores”.Isso porque “os frigoríficos encontram dificuldade para obtenção de crédito e para rolar as dívidas em um momento de queda no preço da carne” . E como resposta, em clima próximo do desespero, obtém a afirmação que “o governo vai estudar a situação dos frigoríficos no país antes de tomar medidas para resolver os problemas de crédito para o setor” ( ). Nesse clima todo amplo circuito pecuário nacional enfrenta dificuldades extremas exatamente no momento que consolidava seu processo de modernização. Nesse contexto, “o Frigorífico Independência, uma das maiores empresas exportadores de carne bovina do Brasil, ajuizou nesta segunda-feira pedido de recuperação judicial. O objetivo é reestruturar dívidas e continuar suas operações. Há menos de um mês, a empresa anunciou o fechamento de uma unidade de abates em Campo Grande (MS) e confirmou 400 demissões e o remanejamento de outros cem funcionários para abatedouros localizados em Nova Andradina e Anastácio (MS). Na semana passada, veio a informação da suspensão dos abates em todas as unidades em funcionamento no país... O Independência lista entre os impactos ruins para seus negócios rompimentos no comércio global da carne bovina, queda excessiva na demanda dos principais países importadores, levando ao excesso de oferta de produtos; queda de preços na exportação acima da desvalorização da moeda brasileira e redirecionamento do volume exportado para o mercado interno brasileiro, levando à competição predatória e à queda nos preços, especialmente na carne desossada" ( ). E nessa reestruturação, o Frigorífico Independência realizou “o fechamento de mais três unidades e a demissão de 2.800 funcionários, além de ajustes em outras plantas para reduzir custos. O anúncio é de fechamento da unidade de abate e desossa de Confresa (MT), de charque em Pires do Rio (GO) e de abate e desossa em Nova Andradina (MS). Além disso, a companhia informou que está ajustando as operações de suas unidades em Santana do Parnaíba (SP), Janaúba (MG), Pontes e Lacerda, Juína e Colíder (MT) e Rolim de Moura (RO) para reduzir os custos e aumentar a eficiência. Presente em sete Estados, o Independência possuía ao todo 12 unidades de abate e três fábricas de charque” ( ). Outras empresas do setor enfrentam problemas, ainda que se mantenham ativas, como “o frigorífico Minerva registrou prejuízo líquido de R$ 179,695 milhões no quarto trimestre do ano passado ante lucro líquido de R$ 16,5 milhões obtido um ano antes... No acumulado de todo o ano passado, a companhia teve prejuízo líquido de R$ 215,5 milhões, ante lucro líquido de R$ 62,5 milhões em 2007” ( ). A profunda crise na pecuária de corte tem o condão de irradiar o problema por praticamente todo território nacional dado que, de alguma forma, todas as regiões brasileiras estão lincadas ao circuito pecuário dando dimensão nacional ao problema. As soluções estudadas quando deveriam ser tempestivas, caminham para “a decisão de eliminar totalmente a cobrança do PIS e da Cofins. Hoje os frigoríficos pagam 60% da alíquota - que é de 9,25%. Também já está quase certo que o governo vai fazer os pagamentos de três em três meses dos créditos tributários que os frigoríficos têm a receber referentes as vendas no mercado externo, ... que provavelmente sejam R$ 200 milhões a receber” ( ). Por outro lado, “O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) poderá lançar ainda em abril um programa de apoio ao setor frigorífico, que vem apresentando fortes dificuldades com a crise internacional, devido a operações financeiras realizadas com derivativos” ( ). E como condição, o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), coloca que “caso haja algum apoio aos frigoríficos que se encontram em dificuldades financeiras causadas principalmente pela queda nas exportações, o plano de ajuda tem que mirar os produtores” ( ). Só não fica nítido como inserir pecuaristas em programas de apoio a empresas frigoríficas, dada a fragilidade dos mecanismos de coordenação vertical do fluxo produção-consumo de carne bovina. De qualquer forma o tsunami vai avançando sobre os principais segmentos da agricultura brasileira, solapando a sua estrutura produtiva. E até aonde irá? A crise econômica espraia-se por segmento a segmento dentre os principais da agricultura brasileira, o mais inserido internacionalmente como proporção de seu produto. Conquanto venha se processando num ritmo mais lento que nos segmentos de serviços e industriais urbanos, seus efeitos podem ser mais dramáticos para a economia brasileira na medida em que a especialização produtiva que conforma as diversas agriculturas territoriais brasileiras vai desenhando uma sucessão de espaços geográficos que passam a conformar o espectro do mosaico de problemas a enfrentar, cada qual com sua especificidade e com dramaticidades peculiares. Isso aprofunda uma situação em que os poderes municipais já vinham sendo combalidos com a redução dos repasses federais derivados da queda da arrecadação dos tributos formadores do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), também como reflexo da crise. Sem repasses federais e com a perda de arrecadações locais como as advindas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) face aos problemas de empresas da agricultura que respondem por parcela preponderante da arrecadação local, peados instrumentalmente e vendo a situação social piorar com o aumento do desemprego, os municípios de diversos rincões do interior brasileiro passam a viver o pior dos mundos. E o horizonte para a agricultura brasileira não permite expectativas favoráveis no curto e médio prazo. Mesmo porque não se tem ainda a dimensão da profundidade da crise e por isso mesmo sua magnitude temporal. Isso porque a crise que abalou a economia mundial na segunda metade de 2008, com efeitos perversos sobre a demanda das maiores nações capitalistas associada à redução dramática da liquidez internacional reduzindo o acesso ao crédito, o que impacta duplamente as exportações da agricultura nacional, traz também outro componente, qual seja, a desvalorização cambial que encarecendo os produtos importados altera os preços relativos de tal forma que interfere na dinâmica da composição de culturas. E o desemprego inicia a corrosão da demanda interna pressionando ainda mais os preços no sentido da deflação. Noutras palavras, os produtos que tiveram sua expansão ancorada na exportação vêm sua demanda refrear tendo impactos negativos, enquanto aqueles cujo abastecimento dependia de importação face à não competitividade da produção interna recebem reflexos positivos. Por outro lado, a crise internacional ao produzir a redução do crédito internacional tem efeitos diretos e expressivos no padrão de financiamento que sustentou o recente “boom” da produção de grãos e fibras. No momento os pilares desse padrão de financiamento sustentado por mecanismos privados estão comprometidos. Com relação ao crédito, essa redução implicou no aumento das taxas de juros para os tomadores de recursos adicionais aos garantidos pelos “mecanismos oficiais”, além de maiores exigências para contratação do financiamento, notadamente em termos de garantias e reciprocidade. Também foi irradiado um clima de insegurança das agroindústrias de insumos e máquinas na concessão de crédito para vendas a prazo, em função da ruptura de expectativas e da impossibilidade de formar perspectivas favoráveis para a realidade financeira dos seus clientes. Contribuiu ainda a redução do crédito para exportações devido à redução da disponibilidade e dificuldade na captação de recursos externos. E para aumentar a dramaticidade, ainda persiste como herança desse processo, elevada dívida rural a espera de solução. A escalada da dívida rural brasileira que ganha dimensões cada vez mais preocupantes. Assim, a crise produziu o sucateamento do padrão de financiamento que sustentou o “boom” recente da agricultura brasileira. Compreender isso e iniciar a edificação das bases de uma nova política para agricultura sustentada em nova concepção do padrão de financiamento que sustente novo ciclo de desenvolvimento consiste num elemento fundamental para abreviar os efeitos da crise sobre a agricultura. Mantido o equívoco de recompor o passado com mais do mesmo, não há como prever até onde e quando vai a crise. Apenas que será dramática. NOTAS ( ) Ver o artigo “Safra agrícola pode não ter recursos esperados, diz Paulo Bernardo”, Folha Online da Agência Brasil, no Paraná, 02/04/2009 (disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u544996.shtml). ( ) Ver Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Em 2008, PIB cresceu 5,1% e chegou a R$ 2,9 trilhões”. Rio de janeiro. 10 de março de 2009. (Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1330&id_pagina=1). ( ) Ver TEIXEIRA, Marcelo Teixeira & ALERIGI JR, Alberto “Análise: prejuízos de Sadia e Aracruz mostram que crise aportou no Brasil”. Reuters, São Paulo. 26/09/2008. (Disponível em http://economia.uol.com.br/ultnot/reuters/2008/09/26/ult29u63464.jhtm). ( ) Ver SOLANO, Pablo. “Empresa de celulose e papel demite cerca de 760 trabalhadores na Bahia” Agência Folha. São Paulo. 03/04/2009. (Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ folha/dinheiro/ult91u545679.shtml). ( ) Ver SAMORA, Roberto. “Com Nova América, Cosan processará 56 mi t em 09/10”. Reuters. São Paulo (SP). 13/03/2009. (Disponível em http://economia.uol.com.br/cotacoes/ ultnot/2009/03/13/ult29u66323.jhtm). ( ) Ver o artigo “Cosan pode comprar o grupo Nova América, dono do açúcar União”. 28/10/2008. (Disponível em http://www.investidorinformado.com/2008/10/cosan-pode-comprar-o-grupo-nova-amrica.html). ( ) Sobre a crise sucroalcooleira ver o excelente artigo de CARVALHO, Denise “O etanol virou problema”. Revista Exame. 27.11.2008. (Disponível em http://portalexame.abril.com.br/ revista/exame/edicoes/0932/negocios/etanol-virou-problema-404751.html . ( ) Ver PORTO, Gustavo. “Com dívida de R$ 200 milhões, Nilza demite 550”. Agência Estado. Ribeirão Preto (SP).30/03/2009. (Disponível em http://www.abril.com.br/ noticias/economia/divida-r-200-milhoes-nilza-demite-550-337113.shtml). ( ) Ver CUCOLO, Eduardo. “Governo vai estudar situação de frigoríficos; 50 já suspenderam atividade”. Folha Online. Brasília (DF). 17/03/2009. (Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u536012.shtml). ( ) Ver o artigo “Frigorífico Independência entra com pedido de recuperação judicial”. Folha Online. São Paulo (SP). 02/03/2009. (Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ folha/dinheiro/ult91u512718.shtml). ( ) Ver o artigo “Frigoríficos Independência fecham mais 3 unidades e demitem 2.800”. Folha Online. São Paulo (SP). 25/03/2009. (Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ folha/dinheiro/ult91u540355.shtml). ( ) Ver o artigo “Frigorífico Minerva fecha ano e trimestre com prejuízo”. Portal Exame. 27 de Março de 2009. (Disponível em http://portalexame.abril.com.br/ae/economia/frigorifico-minerva-fecha-ano-trimestre-prejuizo-327716.shtml). ( ) Ver MELLO, Alessandra. “Indústria da carne vai ganhar isenção total de PIS e Cofins no mercado interno”. Canal Rural. São Paulo (SP). Agronegócio. 03/04/2009. (Disponível em http://www.clicrbs.com.br/canalrural/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&action=noticias&id=2463725§ion=noticias). ( ) Ver ENNES, Juliana. “BNDES estuda medidas para apoiar frigoríficos, diz Coutinho”. Folha Online. Rio de Janeiro (RJ). 19/03/2009. (Disponível em http://www1.folha.uol.com.br /folha/dinheiro/ult91u537415.shtml). ( ) Ver o artigo “Ministro quer que ajuda a frigoríficos envolva os produtores”. Agência Brasil. São Paulo (SP). 24/03/2009. (Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ folha/dinheiro/ult91u539971.shtml). (*)José Sidnei Gonçalves, sydy@iea.sp.gov.br Sueli Alves Moreira Souza sueli@iea.sp.gov.br Pesquisadores do IEA- APTA-SAA |
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