Mercado
Café: um futuro incerto
São Paulo, 27 de março de 2009    

Por Celso Vegro (*)

Nem o rigor do inverno no Hemisfério Norte, tampouco a entressafra brasileira foram capazes de inverter a tendência de baixa que tem prevalecido no mercado do café. A análise das cotações nas principais bolsas em que o produto é transacionado exibe impressionantes quedas. Nos últimos 12 meses (mar.2008 a fev.2009), por exemplo, o robusta na Bolsa de Londres acumulou queda de 1/3 do valor do produto. O arábica negociado na BM&F-Bovespa, no mesmo período, também acumulou perdas próximas da terça parte.
Somente em fevereiro de 2009, houve queda de 20,82% do robusta em Londres, a maior queda registrada para o conjunto das bolsas acompanhada. Para o arábica em Nova Iorque e na BM&F-Bovespa, as baixas foram de 1,97% e 2,37%, respectivamente. Aparentemente, a escassez de crédito para exportação que permita a fixação de embarques em prazos mais elásticos pode ser um dos elementos responsáveis por essa situação.
As baixas cotações imprimem para o conjunto da cafeicultura brasileira uma postura absolutamente defensiva, limitando ao mínimo a tecnologia empregada nas lavouras, contando-se os gastos com mão-de-obra e os demais serviços de manejo e colheita da lavoura. Tais estratégias, certamente, redundarão em menores produtividades e acentuação do ciclo de baixa produção aguardada para a corrente safra, ainda, considerando, que do ponto de vista climático, o volume de precipitações tem permitido um bom desenvolvimento das plantas e êxito no pegamento das frutas.
Diante desse contexto de pressão negativa para as cotações matérias veiculadas pela imprensa tornam-se pouco críveis. Nas matérias jornalísticas intituladas: “Alta do café ameaça a Starbucks e Kraft Foods(1)” e “Alta do café pressiona empresas que apostavam na queda(2)”, os disparatados dirigentes dessas duas companhias mostram-se apreensivos com a evolução do custo de aquisição do café verde e suas necessidades em remarcar preços visando preservação da saúde financeira de suas companhias. Para esses gerentes, o cenário futuro para as cotações do café, em 2009, será favorável aos produtores. Igual expectativa é também partilhada pelo diretor executivo da OIC que destaca, ainda, a possibilidade nesse ano ser mantida a decantada tendência de crescimento do consumo. Ademais, o executivo enfatiza tal argumento, sinalizando que a demanda ultrapassará a oferta em seis a oito milhões de sacas.
Por certo que com o agravamento do colapso financeiro, os analistas do mercado de café se tornaram mais fiéis à análise dos fundamentos, as quais, porém não tem permitido a geração de construções explicativas plausíveis para o relativo congelamento das cotações que desde 2005 pauta o mercado. Mas, será que se apegar aos fundamentos poderá agora se tornar um elemento verdadeiramente explicativo para as flutuações futuras. Aquilo que em muito pouco, ou melhor, quase nada, agregava em termos de fatores explicativos do passado recente pode passar agora a se configurar como chave para a interpretação do mercado?
Desde a safra 2004/05, muitos analistas do mercado de café, passaram a enfatizar que sob o ponto de vista dos fundamentos desse mercado, armava-se cenário para o surgimento de ciclo de alta sustentável para as cotações. De fato, tal movimento foi observado entre fevereiro e março de 2005, quando as cotações se aproximaram de R$ 350,00/sc. Porém, desde então, essas mesmas cotações passaram a declinar, atingindo R$ 240,00/sc e permaneceram nesse patamar até bem pouco tempo. Essas baixas cotações para o produto prevaleceram nesse longo período sob a vigência de fundamentos marcadamente altistas para o mercado do produto.
Enfim, o que pode significar retorno à análise dos fundamentos. Para os agentes de mercado, a safra brasileira com colheita a se iniciar em maio de 2009 somará 40 milhões de sacas com estoques de passagem distribuídos pelo mundo acima das 35 milhões de sacas e estimativas grosseiras sobre a evolução do consumo havendo crescimento de 2,5%, em 2009, entre os otimistas, de 1,0% pelos moderados e para os pessimistas, ausência de crescimento ou até queda. Assim, diante de tantas possibilidades alternativas para a construção de cenários futuros, apegar-se aos fundamentos parece pouco eficaz.
Em artigo sob a lavra do renomado economista Jeffrey Sachs(3), além da defesa de uma necessária harmonização das políticas macroeconômicas dos países centrais solapados pela crise, se destaca o impressionante montante de renda das famílias fulminada pelo atual colapso financeiro. Em seus cálculos houve encolhimento de cerca de US$ 25 trilhões da renda familiar concentrada nos Estados Unidos, Europa e Ásia, significando redução de 60% da renda mundial disponível em um único ano! Ademais, afirma que para cada US$1,00 de queda dessa renda há um declínio no orçamento familiar disponível para o consumo de US$0,05. Assim, a realidade dos números indica que com muito menos dinheiro no bolso, a propensão para o consumo em geral será fortemente refreada, não reunindo o café nenhum atributo especial que o permita se configurar numa honrosa exceção. Diminuição tão portentosa da renda, associada à imensa escalada do desemprego, somente poderá derivar num único prognóstico, qual seja, o declínio da demanda seguida de cotações cadentes para o produto.
A onda de desemprego que grassa nas principais economias mundiais, inclusive no Brasil, assume uma característica bastante diversa, visto que a desocupação atinge as faixas de maior renda, ou seja, profissionais mais bem qualificados e com maior nível de instrução que formam, justamente, o rol de apreciadores de café com maior propensão a consumir a bebida.
No segmento do café, ou melhor, entre suas lideranças, há tendência para a adoção de um tipo de alquimia que lhes permita, por todos os meios, revogar fundamentos da teoria econômica. Se existe uma unanimidade em matéria de bens de consumo é a correlação direta entre o patamar da demanda e a evolução ou variação da renda disponível, mesmo considerando produtos tipicamente inelásticos, com é o caso do café(4). Porém, para essas personalidades do setor, as cotações subirão e o consumo as acompanhará.
Por sua vez, a tese de que o Japão ao longo de sua década perdida (1991-2000) foi capaz de ampliar a demanda por café precisa ser cuidadosamente apreciada. A evolução do consumo naquele país somente assumiu trajetória ascendente somente nos dois últimos anos da década, sendo que nos oito anteriores, as oscilações não permitiram a configuração de qualquer tipo de tendência, ou seja, a estagflação da economia japonesa comprimiu sim o mercado de café.
Estatisticamente, pode-se comprovar que cotações mais favoráveis aos cafeicultores ocorrem entre os meses de dezembro e março do ano subsequente, uma vez que, nessa época, ocorre a entressafra brasileira e o período de inverno no Hemisfério Norte. Se assim é, pergunta-se: como, por meio da análise fundamental, explicar tamanha baixa nas cotações observada em fevereiro de 2009? O cenário se torna mais grave com a aproximação da colheita brasileira que encurta a cada dia o prazo para uma recuperação das cotações. Logo será alcançada fase em que a pressão vendedora (vulgarmente chamada de desova de estoques), tende a se intensificar, represando o esperado incremento dos preços, ou senão até os empurrando para patamar ainda mais baixo.
Se não bastasse a visão pessimista para o mercado de café quando apreciada pelo potencial da demanda, há ainda outro fenômeno que age no sentido de represar qualquer possibilidade de alta das cotações. Os mercados de commodities (petróleo, metálicas e agrícolas), são interrelacionados. As carteiras de investimento combinam títulos desses produtos em proporções variadas em consonância com as expectativas de seus gestores para as cotações futuras. Assim, baixas acentuadas com a observada no petróleo, tendem a criar movimentos similares para o conjunto do mercado. Se esse movimento ocorre sob a valorização do dólar, o fenômeno se intensifica. Ademais, surgem estudos que indicam que existe forte correlação entre montante da riqueza financeira existentes no mundo e cotações das commodities. Portanto, sob atual colapso em que parcela significativa da riqueza financeira simplesmente deixou de existir, não há possibilidade para o surgimento de qualquer pressão altista nesse mercado.
A gravidade do colapso financeiro exigiu que os países atuassem no sentido de conduzir intervenções visando estancar uma provável contaminação sistêmica para todo o restante das respectivas economias nacionais. A emissão de títulos do tesouro é a ferramenta financeira que permite o rápido levantamento dos recursos necessários para se conduzir às ações previamente planejadas. Todavia, há limites para a adoção desse mecanismo. No caso estadunidense, houve necessidade de injetar recursos em muitos ramos da economia devendo esse fato aprofundar ainda mais seu já temeroso déficit fiscal. A dimensão desse déficit não para de se ampliar com a contínua necessidade do governo em acrescentar novos aportes financeiros ao combalido setor privado. Em seu limite, pode-se imaginar até uma situação em que os compradores desses títulos, não mais acreditem na possibilidade de o governo vir a honrá-los e, por fim, esse mecanismo vir a perder sua eficácia por contaminação da atual escassez de confiança que solapou as bases da economia moderna(5).
Em vista da prevalência desse quadro da Nação que mais demanda café no mundo, pode-se até esperar o incremento de medidas protecionistas que restrinjam as importações ou alguma espécie de aumento dos impostos(6). Qualquer das iniciativas afetará o mercado de café, o que seria ainda mais desastroso para o setor e um golpe fatal para os adeptos da visão otimista para o futuro desse mercado no médio prazo.
Para o Brasil, maior mercado para o café verde aqui produzido, o contexto é algo diverso. A emergência e a consolidação da chamada classe C poderá manter demanda sustentável para gêneros básicos. A informação divulgada pela Associação Brasileira de Supermercadistas (ABRAS) de que houve crescimento 6,54% nas vendas em janeiro de 2009, por ora, comprova essa hipótese, indicando que o item alimentos e bebidas podem exibir expansão significativa, ainda que pautada pelos produtos de baixo preço e marcas próprias.

(*)Celso Vegro é pesquisador científico do Instituto de Economia Agrícola, IEA, órgão ligado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, APTA, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
celvegro@iea.sp.gov.br


1-Alta do café ameaça a Starbucks e Kraft Foods. Gazeta Mercantil, 18/02/2009. Caderno B9.
2-Alta do café pressiona empresas que apostavam na queda. Jornal Valor Econômico, 18/02/2009. Caderno B13.
3-SACHS, Jeffrey D. Cooperação macroeconômica mundial. Jornal Valor Econômico, 27/02/2009. A17.
4-Resultados também obtidos nas pesquisas conduzidas pelo grupo ao qual pertenço. Nela constatamos que existe correlação quase que linear entre maior renda e percentual de apreciadores de café fora do lar.
5-A soma dos valores dos títulos do tesouro americano em posse de governos e investidores somam US$ 3,1 trilhões sendo que apenas a China detém mais de US$ 770 bilhões.
6-Os indicadores sobre o impacto do colapso financeiro global indicam que os países de economia mais aberta e mais dependentes das exportações estão sendo aqueles mais penalizados pelas gravidade do quadro econômico.
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