Mercado
Crise de alimentos na globalização exige análise global
São Paulo, 31 de maio de 2008    
As discussões sobre a crise de alimentos que explodiu neste primeiro semestre de 2008 vêm se dando com postulações que nem sempre levam em conta os elementos mais relevantes para entender a realidade. As analises quase sempre se pautam pela leitura de algumas variáveis simplificadoras do comportamento econômico com as quais se pretende explicar uma situação complexa e multifacetada.
Por incrível que se possa imaginar na era de um mundo econômico conectado muitas vezes as colocações deixam de considerar um axioma essencial, qual seja a globalização, em que as economias nacionais e as economias territoriais dentro das nacionais, se de um lado apresentam especificidades de outro não negam, ao contrário reforçam, os corolários da interdependência entre o local e o global.
De nada adianta nesse sentido ficar afirmando que uma dada nação – inclusive e principalmente o Brasil – estaria imune à crise mundial de alimentos em que os preços se exacerbam em altas. Nesse mundo global os impactos da escalada altista dos preços afetarão todas as nações – afinal não houve problema de arroz nos EUA e rebeliões populares por falta de comida no Haiti -, a diferença consiste que em algumas realidades essa carestia se manifesta socialmente de forma mais dramática, mas em todas elas têm sua presença.
E o Brasil não ficou imune à crise uma vez que os preços dos alimentos pressionam os índices de inflação de forma significativa. E dada a maior parcela de comprometimento da renda com a compra de alimentos de primeira necessidade, não há como fugir do fato de que essa carestia afeta de forma mais dura os mais pobres. Exatamente porque os programas sociais foram bem sucedidos e o crescimento econômico dos últimos anos ampliou a mobilidade social e, com isso, incorporou massa relevante de brasileiros a padrões de consumo mais aceitáveis, a realidade aqui não se mostra mais dramática.
Mas preços de alimentos em escalada altista podem reverter esse quadro em pouco tempo, o que não é desejável. Não enfrentar esse dilema de imediato pode aprofundar problemas que podem adquirir magnitudes indesejáveis. Afinal, um dos pressupostos do desenvolvimento econômico consiste em que a agricultura deva cumprir seu papel nesse processo ofertando alimentos em quantidade crescente a preços cadentes.
Os manuais de economia não contemplam a possibilidade, nem consta na história que tenha tido êxito em alguma nação, na qual a ocorrência de alimentos cada vez mais caros tenha produzido um processo longo e sustentável de desenvolvimento. Assim, não há nada a comemorar com os preços de alimentos elevados como sendo uma grande oportunidade para o Brasil como fazem alguns na conjuntura vivida nesse primeiro semestre de 2008.
Pois bem, se a globalização não deixa o Brasil fora dos impactos da crise de alimentos, há que se levar em conta a capacidade nacional de responder a essa crise. De um lado, porque não, aproveitando a oportunidade e firmando-se como “global player” em fornecedor de alimentos. Mas de outro, ampliando a capacidade de formular e executar políticas públicas compensatórias que mitiguem os impactos negativos dos preços mais altos dos alimentos para a renda das famílias, em especial as mais pobres.
Assim, não basta produzir, há que se produzir a preços compatíveis com a renda dessa parcela da população que não vem sendo elevada no mesmo ritmo. E como os preços desses alimentos estarão altos pela pressão globalizada do comércio internacional, há que se buscar aqui mecanismos que garantam a continuidade do acesso das pessoas mais pobres à comida.
E para isso, não há outra alternativa senão apostar nos programas sociais para cumprir esse papel estratégico para a agricultura comercial. Assim nada mais “caolha” a leitura de que o mercado dará conta de promover esse ajuste sem traumas. A explosão da carestia impulsionando rebeliões de massa em busca de acesso ao alimento seria o pior dos mundos para a agricultura brasileira.
A complexidade do tema exige que se tenha em conta exatamente essa premissa de que na globalização não há lugar senão para análises globais, que rompam com o oportunismo dos que vêem o mundo girando em torno do próprio umbigo. Para os pobres isso pode ser dramático, uma vez que atrás do umbigo fica o estômago que, se tomar o papel do cérebro na definição das prioridades humanas, produz quase sempre o pior dos mundos para a sociedade.

José Sidnei Gonçalves

sydy@iea.sp.gov.br

Sueli Alves Moreira Souza

sueli@iea.gov.br



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