Mercado
Produção agropecuária e preservação ambiental (*) (**)
São Paulo, 31 de março de 2008    
Uma discussão que vem sendo mal conduzida, com enorme viés ambientalista, diz respeito ao cumprimento da obrigatoriedade da recomposição e manutenção da reserva legal nas propriedades rurais. No caso paulista, recentemente, o Governo Estadual baixou o Decreto n. 50.889, de 16 de junho de 2006 determinando o cumprimento da legislação ambiental. Entretanto, essa medida, ainda que para ser cumprida num horizonte de 30 anos e com todas as alternativas de compensações, trará significativos impactos tanto econômicos quanto sociais, retirando competitividade da agricultura paulista, pois ao mesmo tempo em que reduz renda impõe custos adicionais. Há que ser enfrentada a necessidade de revisão do limite interposto pelos artigos 14 e 16 da Lei Federal n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, denominada Código Florestal. Aliás, a Lei Federal n. 7.803, de 18 de junho de 1989, além de introduzir o mecanismo de averbação, diferenciou o aludido limite mínimo elevando os percentuais para a região amazônica, com a manutenção ao limite de 20% de reserva legal de cada propriedade na realidade paulista.
Há que se inquirir de forma definitiva, porque 20% de reserva legal e porque nesse limite não incluem as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e nem mesmo as estruturas privadas de Reservas Privadas de Proteção Natural (RPPN)? As leis inaplicáveis foram feitas para serem mudadas para que cumpram o objetivo a que se propõem. Esse limite único precisa ser redefinido em bases que garantam aplicabilidade. Também deveria ser revogado o Decreto n. 50.889/2006 e em seu lugar o Governo do Estado de São Paulo decretaria uma moratória do cumprimento do limite de 20% de reserva legal para a agropecuária paulista, determinando que nenhum espaço de vegetação nativa possa ser derrubado em qualquer região paulista a qualquer pretexto.
O Decreto n° 50.889/2006 para não promover um acirramento das disparidades entre municípios beneficiando aqueles de melhor índice de desenvolvimento econômico e social em detrimento dos de piores indicadores, exige que sejam incorporados mecanismos de compensação dessas perdas indesejáveis para que os municípios mais pobres não sejam ainda mais penalizados, em função da aplicação da Lei Estadual n° 8.510 de 29 de dezembro de 1993 para a realidade de repasses do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Além disso, a Lei Estadual 9.146/1995 que institui o ICMS Ecológico exclui de maneira peremptória os espaços protegidos como as áreas de preservação permanentes (APPs) e as Reservas Legais (RL) existentes ou que vierem a ser reconstituídas. Na verdade, a Lei Estadual 9.146/1995 corresponde à um mecanismo de compensação para municípios que tenham em seus territórios unidades de conservação públicas, o que não representa um estímulo ao segmentos privados.
Os impactos da obrigatoriedade de recomposição das áreas de Reserva Legal afeta as economias municipais de maneira diferenciada, com maior penalização exatamente dos municípios mais carentes em relação àqueles de melhores índices mensuradores do desenvolvimento humano. Com o Decreto n° 50.889/2006 há um aprofundamento da disparidade de tratamento entre os municípios. Isso porque os 152 municípios com melhores indicadores do IPRS, no seu conjunto, passam a receber repasses que somam em 2005 o valor de R$ 7,7 bilhões, atingindo 80,3% dos valores repassados, enquanto que os 493 municípios com piores indicadores do IPRS passam a receber 19,7% dos recursos, ou seja, numa nítida transferência de recursos dos municípios mais carentes para os com melhores indicadores sociais e econômicos.
No mínimo há que se pensar em mecanismos compensatórios para isso, visando reduzir os impactos negativos dessa medida. Numa contabilidade de soma zero, verifica-se que os 152 municípios com melhores indicadores de IPRS (Grupos 1 e 2) receberiam recursos adicionais que somam R$ 134,9 milhões enquanto que os 493 municípios com piores indicadores de IPRS perderiam valores repassados em igual montante. O Decreto n°50.889/2006 embute a perda de recursos transferidos pelos municípios mais carentes como, principalmente, exatamente esses municípios são os mais dependentes das transferências estaduais e federais para sustentarem suas estruturas de serviços sociais como saúde e educação, ou produtivos como a manutenção da malha viária rural. Em síntese, essa medida da ótica distributiva converge para o perverso diagnóstico do “perde e perde”, uma vez que são perdidos renda e empregos e também recursos para as possíveis políticas sociais compensatórias.
E essa amplitude pode ser maior ainda se levar-se em conta que as recomposições da Reserva Legal, pelos mecanismos de compensação previstos no Decreto n° 50.889/2006, tendem a concentrar-se nos municípios mais pobres que ficariam com menor espaço de uso econômico e com a perda de empregos., para que sejam mantidos a atividade econômica e os empregos dos municípios com melhores indicadores econômicos e sociais. A compensação física de área da forma como a estabelecida no Decreto n° 50.889/2006, por gerarem impactos de forma diversa nas distintas economias municipais, não pode ser feita sem prever compensações econômicas e de transferência de recursos tributários. Isso porque a medida de recomposição das áreas de Reserva Legal aprofunda essa iniqüidade latente.
A obrigatoriedade do cumprimento da obrigatoriedade de recomposição das áreas de Reserva Legal em espaços territoriais de ocupação antiga, o que poderia suscitar demandas jurídicas o sentido de que se trataria de um “ato expropriatório do Estado” com perda da capacidade de uso econômico da propriedade, sem a devida compensação econômica. Se progredirem no Judiciário tais processos que busquem indenizações haveria enorme comprometimento das finanças públicas pois os 3,7 milhões de hectares a serem recompostos, se valorizados a preços de terra nua de campo, teriam em 2005 um valor correspondente a R$ 15,8 bilhões e, se considerados preços de terra nua de primeira alcançariam R$ 46,7 bilhões, com média de R$ 29,7 bilhões.
O uso do solo deveria ser feito respeitando um conceito tão singelo quanto a Capacidade de Uso dos Solos, aliás como define uma lei estadual paulista que trata do uso e conservação do solo (Lei Estadual Paulista n° 6171, alterada pela Lei Estadual Paulista n° 8471 de 23 de novembro de 1993, que dispõe sobre uso, conservação e preservação do solo). Isso se consegue destinando as terras para a sua utilização de acordo com a sua aptidão. Esse conceito deveria presidir o embasamento de uma política de uso do espaço rural e ser estendido para a dimensão de todo um Estado, para evitar a obrigação de que solos agrícolas fiquem com florestas além de permitir que solos florestais sejam irracionalmente agricultados. Do ponto de vista técnico, a ocupação de uma propriedade rural deveria ser feita, portanto, de acordo com a classe de capacidade de uso de suas terras e a aptidão daí derivada, que pode variar desde a utilização com cultura anual até a preservação absoluta, em função de características que fornecem indicações seguras de uso como: topografia, tipo de solo, composição do solo, fertilidade aparente, vegetação existente e várias outras.
Finalizando, o Brasil não pode se dar ao luxo absurdo de desperdício de seus recursos. É imperiosa, pois, a mudança do Código Florestal. Propostas sérias nesse sentido existem várias. Mas a principal deve ser o respeito à Constituição, que dá à União a competência de estabelecer normas gerais e aos Estados a legislação concorrente. Assim é preciso que os Estados possam ter a sua própria legislação florestal, definindo os seus parâmetros em função dos seus ecossistemas e do seu estágio de desenvolvimento tecnológico, visto que as condições dos Estados da Amazônia nada tem a ver com as dos do Pantanal, nem com as do Centro Oeste ou do Sudeste e muito menos do Sul ou do Nordeste.

(*) O título original desse artigo é o seguinte: Produção agropecuária e preservação ambiental pela recomposição da reserva legal: os impactos econômicos e estruturais do cumprimento da legislação em São Paulo


(**)José Sidnei Gonçalves, Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências Econômicas, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (e-mail: sydy@iea.sp.gov.br)

(**)Sueli Alves Moreira Souza, Economista, Pesquisadora Científica do IEA/APTA (e-mail:sueli@iea.sp.gov.br).
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