Mercado
Galinha gorda que pese pouco
São Paulo, 24 de março de 2008    
Por Arnaldo Luiz Corrêa (*)
Archer Consulting

Um verdadeiro massacre da serra elétrica. O mercado de açúcar em NY caiu entre 28 e 36 dólares por tonelada na semana. Apenas na segunda-feira caiu 10,7% um recorde negativo, o pior em quase 20 anos quando em julho de 1988 derreteu 16,7% num único dia. A variação da semana (a diferença entre as cotações máxima e a mínima) foi de 251 pontos, ou 55 dólares por tonelada, deixando boquiabertos os altistas de plantão e eufóricos os baixistas de carteirinha. Em 20 dias o mercado variou quase 400 pontos (88 dólares por tonelada), ainda não batendo os recordes anteriores de janeiro e fevereiro de 2006, que foram de 340 pontos numa semana e 518 em 20 dias úteis. Acabamos encerrando a semana no nível de preços que todos apostavam para 2008, ou seja, entre 11,50 e 12,50 centavos de dólar por libra-peso.
O colapso dos preços foi engatilhado por uma combinação explosiva de fatores: a recessão da economia americana e a evaporação do crédto, potencializadas pelos problemas com um banco de investimentos americano, que acabaram provocando uma revoada para os investimentos chamados de qualidade. De repente commodities viraram palavrão. Os grandes especuladores em commodities são os mesmos grandes fundos e bancos de investimentos que foram arrebatados pelo furacão da crise do crédito. Da mesma forma como os acontecimentos com a quebra do fundo do Myron Scholes nos anos 90 e do Barings, entre outros, acabaram trazendo novidades na regulação e na gestão de risco das empresas, os fatos atuais deverão trazer mudança na maneira como os fundos se alavancam. A total falta de comprometimento com a qualidade por parte de alguns deles, que querem apenas embolsar a taxa de administração tem feito com que se dê pouca ou nenhuma importância com o nível de alavancagem, gestão de risco, volumes negociados e fundamentos. O negócio é embolsar dinheiro. O que era investimento maravilhoso outro dia, sendo até capa das principais revistas do mundo, hoje mudou. O mndo é mau.
Recebemos vários e-mails enaltecendo o fato de termos "cantado a bola" antes da queda do mercado. Muito obrigado, mas nada disso. Sem vocação para guru ou pitonisa, levando na bagagem apenas o fato de ter atravessado algumas tempestades no meio do oceano, traz-nos a memória os ensinamentos de mergulhar quando vem uma onda gigante, tomar ar, agüentar o tranco, para não morrer afogado. Não nos livra, entretanto, de amanhã tomar um daqueles "caldos" que nos deixam desfalecidos ou até mesmo morrer em águas calmas. Um experiente corretor de NY me disse uma vez que até relógio quebrado acerta a hora duas vezes por dia. A questão aqui é menos de adivinhação e mais de disciplina. Temos que ter humildade no tratamento com os fundamentos do mercado. Prevalece a velha e boa história dos fundamentos se sobrepondo aos fatores exógenos em 9 entre 10 ocasiões. A gente aprende...
As condições atuais do mercado de commodities com pessoas passando da euforia contagiante à simpatia doutrinária de Jim Jones, fizeram com que o CFTC, a comissão que regula as operações de futuros em commodities, espécie de CVM das commodities, marcasse um seminário em abril, nos EUA, para ouvir dos traders se as bolsas estão efetivamente funcionando dentro de seus dois maiores objetivos quais sejam o de gestão de risco e o de descoberta de preço. Fico imaginando as fotos da audiência com traders com braços e pernas quebrados, olhos roxos e cabeça enfaixada discutindo o tema. Falando sério, o CFTC vai ter que introduzir algum tipo de regulação que monitore o mercado com a devida segurança em situações em que os volumes aumentam significativamente. Veja o açúcar: quase 25 milhões de contratos (apenas futuros) foram negociados nos últimos 12 meses. Há 4 anos eram apenas 7.5 milhões. Cresce 35% ao ano.
Muitas usinas relutam em fazer o hedge da produção para muito além da curva, ou seja, com vencimentos longos, com medo da famigerada chamada de margem e os desequilíbrios dela resultantes. Não fazer o hedge, no entanto, é muito mais mais caro do que qualquer chamada de margem razoável. Façamos um simples cálculo. Imagine uma usina com 50.000 toneladas de açúcar para hedgear contra Maio de 2009 que poderia tê-lo feito a 15 centavos de dólar por libra-peso, mas tinha medo do preço do açúcar continuar a subir e ter que buscar dinheiro no mercado financeiro para cobrir as eventuais chamadas de margem. Quanto ela perdeu com a queda? Bem, o Maio fechou a 13.20. Isso é uma queda de 180 pontos, ou US$ 39,68 por tonelada, vezes 50.000 toneladas, temos um valor expressivo de quase US$ 2 milhões. Para perder esse mesmo valor, imaginando que a usina captasse recursos para mandar a chamada de margem a extorsivos juros de 12% ao ano em dólares até o vencimento do contrato de maio/2009, ou seja, em 30 de abril de 2009, NY teria que explodir até 28,49 centavos de dólar por libra-peso e ficar lá por um ano !!!
É a tal história, todo mundo quer fixar no melhor preço, mas sem ter o estresse que as situações de pânico trazem. É como me disse um respeitável executivo do mercado de álcool, "galinha gorda que pese pouco todo mundo quer".
Acho que o mercado exagerou na alta e na queda. Pode ser que ainda tenhamos algum rescaldo do recente tsunami, mas agora as usinas devem focar no dólar. E fixar aquilo [dólar] que ainda não fixaram. O estresse no câmbio, se houver, não terá a mesma magnitude do açúcar, portanto aproveite a oportunidade. Outros que devem começar a apontar seus lápis de compra são os consumidores. Ficaram assustados com a recente subida e agora devem ficar de olho para aproveitar e fixar bons níveis de compras. O melhor, considerando a volatilidade onde está, seria hedgear as compras pelo delta vendendo puts (opções de venda) no dinheiro, ou seja, com preço de exercício próximo ao nível do mercado. É roubar pirulito de criança.
As usinas estão fixadas entre 85 e 94% segundo apuração do índice da Archer Consulting. Para 2009/2010 entre 14-18%. Olhe o lado bom da queda. Outros países produtores que já estavam colocando suas asinhas de fora, com esses preços ficam menos corajosos. Muitas usinas venderam e fixaram mais açúcar do que anteriormente previsto e a safra 2008/2009 não deve ser tão mais alcooleira quanto se supunha. Existe um bom suporte de preços por aí. A bandeira vermelha flamula para os preços do petróleo, se caírem com a mesma intensidade das outras commodities e eventualmente afetar os preços da gasolina aqui dentro. Mas isso é calculo para além da cauda da distribuição normal, ou seja, está naquela de menos de 5% de chance. Depois de longas férias em algum lugar do planeta, parece que os fundamentos estão de malas prontas para sua volta ao mercado.

(*) artigo republicado com a autorização do autor
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