Mercado
Cálculo do custo de produção: diferenças de métodos e distorções num indicador relevante
São Paulo, 28 de janeiro de 2008    
Os custos de produção correspondem a um dos principais indicadores econômicos que devem ser levados em conta nas tomadas de decisões na agropecuária. Entretanto, há enormes dificuldades em comparar as informações disponíveis nos diversos veículos de divulgação, ainda que para uma mesma atividade e para a mesma região. Daí ser necessário ter atenção na construção de indicadores consistentes, de maneira que se obtenham informações compatíveis com a realidade. O Instituto de Economia Agrícola (IEA) desenvolveu nos anos 1970 uma metodologia de cálculo de custos de produção largamente utilizada porque resolveu questões operacionais relevantes.
A problemática envolvendo os cálculos de custos está apresentada logo na introdução do artigo, que mostra as distorções dos resultados da aplicação da metodologia até então empregada uma vez que para lavouras relevantes (algodão, arroz, milho e soja), conquanto os respectivos custos de produção fossem negativos, portanto indicando prejuízos, as áreas cultivadas apresentavam crescimento. É o caso do algodão, por exemplo, cultura para a qual os custos de produção então calculados foram sempre maiores que os preços no período 1967-1971 e, ainda assim, a área cultivada paulista dessa lavoura evoluiu de 290,4 mil hectares em 1967 para 605,0 mil hectares em 1971 e a produção de 408,6 mil toneladas para 735,0 mil toneladas.
A reflexão sobre esse fato mostra que o confronto da realidade com o arcabouço teórico revela uma inconsistência uma vez que os prejuízos persistentes e acumulados deveriam ter provocado a retração do investimento e, com isso, o recuo da área e da produção. A questão colocada está na aplicação do conceito clássico de custo de produção na produção agropecuária. Nessa acepção “o custo de produção é definido como sendo a soma dos valores de todos os serviços produtivos dos fatores aplicados na produção de uma utilidade, sendo esse valor global equivalente ao sacrifício monetário total da forma que a produz. Essa conceituação deixa implícito que todos os fatores utilizados para produzir determinado bem devem ser remunerados, compreendendo entre eles: terra, capital e empresário”.
O IEA até então utilizava o conceito clássico de custo, com o custo de produção dividido em: ·despesas diretas, onde eram considerados os dispêndios em dinheiro com mão-de-obra, adubos, defensivos, sacaria, combustível, sementes, vacinas, transportes, juros bancários e etc; despesas indiretas, representadas por impostos e taxas, despesas gerais como encargos sociais, luz e força, material de escritório, conservação de benfeitorias, instalações de máquinas e equipamentos e depreciação e;
·remuneração dos demais componentes, como terra, empresário, capital-circulante, capital fixo em instalações e capital fixo de exploração.
A questão crucial está exatamente na “remuneração dos demais componentes”, para os quais se utiliza a idéia de “custo de oportunidade”, que nem sempre permite uma mensuração consistente da verdadeira dimensão dos impactos desses itens no custo de produção. Uma das maiores distorções consiste em que, nesses casos, nem sempre os custos de aquisição são similares aos custos de venda. Daí utilizar-se critérios genéricos, como na época a remuneração ao capital fixo e terra considerava uma taxa de 12% a.a., tida como adequado retorno para seu uso alternativo, para o empresário utilizava o valor baseado no salário mínimo e o capital-circulante era remunerado à taxa de 18% a.a., considerando-o como a metade do montante gasto em dinheiro.
A nova metodologia de custo do IEA, elaborada por Matsunaga et al (1976)1, faz o cálculo da renda líquida pela diferença entre o valor de venda do produto e o custo operacional, que é composto de todos os itens de custos considerados variáveis, adicionando alguns itens considerados como custos fixos, tais como depreciação de bens duráveis empregados no processo produtivo e pelo valor da mão-de-obra familiar, além de considerar também os impostos e taxas por estarem associados à produção, porém, sem levar em conta os outros fatores dos custos fixos. A análise sobre a vantagem em se continuar ou não na atividade no curto prazo é facilitada, já que a decisão se baseia no custo variável médio, porém, não se tem uma análise do resultado econômico da atividade como um todo, pois a mesma depende de fatores relacionados ao custo fixo. Com este tipo de análise, avaliações subjetivas que podem superestimar os valores são evitadas, tendo assim a função real e mais precisa de indicador de decisões de produção.
A passagem do tempo, entretanto, vem produzindo estimativas e análises de custos de produção que, diferente do que ocorre com a metodologia do IEA, ao calcular o custo de produção de uma propriedade, o que têm sido feito com freqüência é dividir o custo de produção em Custo Operacional Efetivo (COE) - somatório dos valores de mão-de-obra, operações de máquinas, implementos, veículos e materiais consumidos no processo produtivo - e Custo Operacional Total (COT) - a soma do COE e os encargos sociais diretos, contribuição de seguridade social rural (CESSR), assistência técnica e encargos financeiros -. Levantados esses valores, calcula-se o Custo Total (CT), que é a soma do COE e o COT acrescidos dos custos de oportunidade, que já são computados os valores para a remuneração da terra, capital e do empresário. Como indicadores econômicos são determinados: receita bruta (produtividade vezes o preço médio de venda), receita líquida (receita bruta menos o CT) e lucratividade (receita líquida dividida pela bruta).
Isso representa a tentativa de “volta” ao conceito clássico de custo de produção, produzindo inúmeras estimativas que divulgadas acabam produzindo enorme confusão na opinião pública, sendo utilizadas tanto para fins ideológicos como para defesa dos interesses de classe em muitos casos. Isso porque se mostra óbvio que o denominado custo total - tal como vem sendo estimado por muitos analistas - são maiores que o custo operacional total. E, ao contrário do que se apregoa, não se trata de um aprimoramento nem mesmo da tentativa de obter-se o “verdadeiro custo de produção”. Há que se discutir o porquê se calcula custos de produção.
Se o objetivo consiste em mensurar a eficiência produtiva de dada atividade genérica, buscando aquilatar sua capacidade de produzir excedentes monetários, o procedimento correto consiste em utilizar-se a metodologia desenvolvida por Matsunaga et al (1976)1, adaptando-se aos novos tempos. A idéia de custo operacional foi desenvolvida nos anos 1970 quando vigia na agropecuária brasileira ampla possibilidade de financiamento via crédito rural subsidiado. Nesse caso, as estimativas de custo de produção eram relevantes, entre outras utilizações, para a definição dos valores básicos de custeio (VBC) para cada atividade. Nessa realidade o agropecuarista de commodities produzia para vender. Isso significava que além dos recursos próprios, o mesmo levantava recursos no crédito rural oficial para então visitar as revendas de insumos para comprar o que necessitava para realizar o seu empreendimento. Com isso era possível estimar os custos financeiros a partir das taxas de juros dos empréstimos, que eram conhecidos e praticamente uniformes entre produtores.
Nas commodities na realidade atual não há como fazer isso. Os agropecuaristas vendem para produzir. No novo padrão de financiamento com recursos escassos e limitados para custeio das safras, a venda antecipada (com títulos financeiros, compras prazo safra e/ou Cédula de Produto Rural-CPR) corresponde a relevante parcela dos recursos aplicados. E em cada operação com dado fornecedor de recursos monetários (bancos, corretoras, etc), de insumos (revendas, agroindústrias de insumos, postos de combustíveis) e/ou compradores de produtos finais (agroindústrias processadoras) há taxas de juros embutidas que devam ser levadas em conta na mensuração dos custos. Conhece-las e compara-las representa uma necessidade para que sejam obtidas boas estimativas de custos operacionais.
Há que se ter atenção com prazos e condições de pagamento, de maneira que recursos mais caros devem ser utilizados apenas em extrema necessidade e pelo menor prazo possível. De qualquer maneira, a questão dos preços dos insumos se mostra fundamental para que, aplicando o conceito de custo operacional do IEA, se obtenha valores consistentes. Veja-se que não basta ter uma lista de preços de insumos para que se possa estimar os custos operacionais, mas uma descrição detalhada das condições de financiamento, pois prazos e taxas de juros em cada caso são relevantes numa realidade em que as agroindústrias de insumos “vendem financiamento” na sua estratégia de fidelizar clientelas.
Outra questão relevante na obtenção dos coeficientes técnicos consiste na definição do padrão tecnológico empregado. A obtenção da moda (prática mais observada) e não da média (considerando todos os casos) representa o procedimento estatístico mais consistente. Isso porque, especialmente na avaliação do capital fixo, há enormes distorções derivadas de excepcionalidades nem sempre observadas que também comprometem a estimativa de custos. Exemplos mais presentes está no sobre-dimensionamento da potencia das máquinas. Muitas vezes têm-se um trator ou uma colhedeira de alta potencia que, para as dimensões da área de lavouras estudadas, são ineficientes quanto à escala. Essa ineficiência decorrente da aquisição de máquina com capacidade excedente em relação ao necessário não pode distorcer as estimativas de custos, pela depreciação mais elevada do capital fixo. Há que se considerar apenas o razoável na obtenção de custos operacionais representativos, pois as ineficiências alocativas devem ficar por conta da remuneração do empresário e não da operação da atividade.
A terra representa um ativo que tem mercado próprio não devendo ser considerada mesmo porque sua valorização corresponde exatamente à sua remuneração, associada a enormes variações periódicas de liquidez, ou seja, com atividade agropecuária em expansão a procura por terra aproxima os valores negociados dos valores estimados, mas em crises aumenta as distâncias entre esses valores. A condição de capitalista fundiário não deve ser confundida com a de agropecuarista, o que implica que só deve ter terra na expectativa de sua valorização e não exatamente pelo seu uso produtivo. O uso produtivo deve ser remunerado na forma de arrendamento (ou aluguel), que representa na forma de acesso à terra por aqueles que não têm terra.
Mas esse arrendatário apresenta uma estrutura de custos de produção distinta do produtor-proprietário. Isso porque ao arrendar ele busca também depreciar de forma consistente os outros itens de seu capital fixo, normalmente aplicado em maquinaria. Daí, por necessidade de eficiência produtiva ou imposição de continuar trabalhando, submete-se ao pagamento de arrendamento. Mas veja-se que têm-se aí uma particularidade que vale para o arrendatário mas não para o proprietário, ainda que as lavouras sejam as mesmas. O proprietário que decide produzir normalmente não leva em conta o preço do arrendamento exatamente porque isso não representa um desembolso. Assim, não faz sentido para ele, considera-se a “possível condição de arrendante” na obtenção dos seus custos operacionais de produção.
Da ótica da eficiência produtiva, as diferenças entre os custos operacionais totais e os preços devem remunerar a renda fundiária (arrendamento), o trabalho do empresário e até mesmo o trabalho não remunerado da família. Noutras palavras, maximizar o que sobra em termos de massa de recursos obtidos representa o objetivo desse empresário rural. Ele continuara produzindo na mesma atividade se estiver obtendo resíduos positivos (preços menos custos operacionais totais) ou se alternativas mais rentáveis não surgirem no horizonte.
A agropecuária familiar, por exemplo, se sustentará quando essa diferença permitir a sobrevivência da família num determinado período de tempo. Assim, não deve fazer parte do custo operacional de produção a “remuneração de trabalho não pago” sendo a única objeção que pode ser feita à concepção original de Matsunaga et al (1976) 1. Na verdade, o trabalho da família deve seguir o mesmo padrão pois, não envolvendo o desembolso, deve ser remunerada pelos resultado econômico obtido. Daí ser fundamental, além de profetizar que os custos operacionais das produções familiares são inferiores às com trabalho contratado, destacar quais condições de vida pode ser permitida com a receita líquida obtida nessa agropecuária.
Em síntese, custos operacionais de produção devem envolver os desembolsos realizados para concretizar um ciclo produtivo. O que não for desembolso deve estar sendo remunerado pelos resultados (preços menos custos) e isso varia para cada realidade produtiva, sendo exatamente esse resultado econômico que deva ser avaliado a cada ciclo pelo agropecuarista para decidir o que fazer no ciclo seguinte. Noutras palavras, seguem válidas as advertências e as proposições do IEA na década de 1970 para a estimação dos custos de produção na agropecuária.


NOTAS

1 O referido estudo foi discutido no Seminário Internacional sobre Custos de Produção na Agricultura realizado em 22 e 23 de janeiro de 1976, em São Paulo (SP), como promoção do Instituto de Economia Agrícola (IEA) e da Sociedade Brasileira de Sociologia e Rural (SOBER). Trata-se do trabalho de MATSUNAGA, Minoru et al Metodologia de custo de produção utilizada pelo IEA. Agricultura em São Paulo 23(1):123-139:1976.

2 GONÇALVES, José S. Novos padrões de financiamento e de custos na agropecuária IEA- APTA, São Paulo, março de 2006. (publicado na Homepage http//www.iea.sp.gov.br).


José Sidnei Gonçalves, Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências Econômicas, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (e-mail: sydy@iea.sp.gov.br)

Franco Pontes Feitosa, graduando em Engenharia Agronômica na Universidade Estadual Paulista –UNESP, Campus Experimental de Registro, estagiário do Instituto de Economia Agrícola (IEA) (e-mail: francofeitosa@gmail.com ).
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