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As leis moldam o capitalismo? A história demonstra o contrário. | |||
São Paulo, 29 de outubro de 2007 | |||
A emergência da questão ambiental como um elemento fundamental e prioritário para a vida humana tem suscitado a adoção de imenso conjunto de legislação e normas que pretendem circunscrever a evolução do processo de acumulação de capital a determinadas regras. Em função disso se mostra fundamental entender como isso se dá no tempo histórico, ou seja, quem tem o desígnio da determinação, se a estrutura produtiva ou a superestrutura legal? Trata-se de um debate filosófico da economia política clássica o qual redundou no axioma de que a estrutura determina a superestrutura. Isso significa que são as transformações econômicas que produzem as leis (1). Nesse contexto, se mostra relevante exemplificar como leis que contrariam essa lógica acabam sendo leis não aplicadas (“letra morta”) que levam à alteração de conteúdo e/ou a simples revogação futura ou que, na vigência das leis e na rigidez de sua aplicação, têm a condenação de importantes espaços geográficos ao degredo no tocante ao desenvolvimento capitalista. Quanto ao tipo de desdobramento “das leis que não pegaram”, o caso clássico está relatado na análise que Karl Marx faz da acumulação primitiva, no capitalismo embrionário na Inglaterra. Nos primórdios da 1ª Revolução Industrial, a agroindústria têxtil utilizava como matéria prima a lã de carneiros. Em função da elevada escala demandada a criação de ovelhas ganha dinamismo na agropecuária inglesa, em especial no Sudoeste da Ilha Britânica. Essa expansão se deu com tamanha intensidade que levou à expropriação intensiva de imensas massas camponesas que até então viviam no campo. E como as criações utilizavam quantidades de trabalho humano muito menor que a oferta existente nas famílias camponesas, terras eram expropriadas para que pudesse dar lugar às pastagens, ao mesmo em que o êxodo rural empurrava massas de gente para as cidades. Como nas cidades não havia possibilidade de ocupação para tamanha oferta de mão- de-obra inúmeros bandos vagavam sem eira nem beira, levando à edição de leis para garantir a ordem pública. A dramaticidade social desse processo foi imortalizada por Thomas More na célebre frase “ovelhas que devoram gente” (2). A realeza inglesa buscando impor freios à expropriação camponesa editou legislações que garantiam a preservação de unidades rurais com determinadas dimensões e características. Entretanto, nada foi obstáculo a esse avanço capitalista, tanto que “as queixas do povo e a legislação, que a partir de Henrique VII continuamente, por 150 anos, revoltava contra a expropriação de pequenos arrendatários e camponeses, foram igualmente infrutíferas”(3). Essa característica da expansão capitalista de moldar a legislação – inclusive tornando letra morta depois revogando os obstáculos legais ainda que numa intensa luta política- também pode construir o segundo caminho, qual seja selecionar regiões onde os obstáculos legais não existam levando ao degredo dos “espaços protegidos”. Isso porque, ao desestimular investimentos, produzirá sua migração para outras regiões paulistas ou brasileiras, condenando a economia local à decadência. Isso porque decisões normativas de tal conteúdo e envergadura alteram a posição das vantagens competitivas regionais frente a outros espaços alternativos de investimento. Os exemplos dessa ocorrência não faltam, inclusive na própria na agricultura paulista. Um deles consiste no caso do atual Município de Campos Novos Paulista. “Um dos mais antigos lugarejos dos sertões do Paranapanema, Campos Novos Paulista nasceu da década de 1890, na beira esquerda do rio Novo, com o nome de São José do Rio Novo. Não se conhece a data precisa de sua fundação, mas se sabe que José Theodoro de Souza, vindo de Pouso Alegre, já havia estabelecido no lugar em 1894, organizando sua família e seus agregados em um povoado cujo nome primitivo teria tudo a ver com o santo padroeiro de seu fundador. As terras pertenciam aos índios Puris, mediam 16 léguas, e lhe foram tomadas em 1850, quando José Theodoro, explorando a região de São Pedro do Turvo, deparou-se com uma área que, aparentemente, não tinha dono, o que foi confirmado, bem à maneira de quase todos os tempos no Brasil, em 1856, quando as autoridades de Botucatu, onde se localizava o cartório mais próximo, lhe deram direito de posse. São José cresceu rapidamente. E, com a Guerra do Paraguai. O afluxo de gente aumentaria ainda mais. O nome Campos Novos deve-se justamente ao fato de sua colonização ter se dado, tardiamente, em relação ao litoral, à Capital, e a outros pontos do interior Paulista, com o Vale do Paraíba, por exemplo; e foi usado, pela primeira, na lei que criou a vila de Campos Novos de Paranapanema, em 1885” (4). Em plena expansão ferroviária no bojo da expansão cafeeira para Oeste, pela “Lei nº 10 que promulgada no dia 11 de abril de 1897, foi registrada e publicada no dia seguinte, 12 de abril de 1897” foi concedido o “ privilégio de construção, uso e domínio de uma estrada de ferro de Campos Novos ao Rio Paraná ao Coronel Francisco Sanches de Figueiredo e ao Major Azarias Gomes Ferreira” ” (4). Isso num conflito entre o Poder Local e o Poder Econômico da Estrada de Ferro Sorocabana. Em função disso, “deu-se o confronto entre a Estrada de Ferro Sorocabana e o Coronel Francisco Sanches de Figueiredo. Na região de Campos Novos, o Coronel Sanches era o Coronel, era rei e por isso venceu sempre tanto contra os políticos e o povo simples quanto contra os brancos e os índios porque dominava a política, os Tribunais. os advogados, as pendências e os processos de divisão de terras. Mas agora seu inimigo era diferente: a Estrada de Ferro Sorocabana, que estava fora e acima da política local, era mais poderosa, lançava raizes e domínio na política estadual, tinha ligação direta com o governo do Estado, comprava políticos, gozava de larga experiência de lida com outros Coronéis em pendências semelhantes, possuia experiência de Tribunais e de disputas com outras companhias de estradas de ferro, fatores esses que o Coronel Sanches, residente numa Boca de Sertão, a 600 Km da capital, não podia ter, preso que estava a uma política interiorana e a Tribunais de Campos Novos” (5). A pendência jurídica levou à decadência da Cidade, com a Estrada de Ferro Sorocabana tomando outras decisões de investimento. Tanto assim que “em 1938, a vila foi rebaixada a distrito de Bela Vista (hoje Echaporã), quando ficou conhecida, simplesmente, como Campos Novos. Em 1944, teve sua denominação traduzida para o Tupi, pela Assembléia Legislativa de São Paulo, que transferiu o distrito de bela Vista para Ibirarema e alterou seu nome para Nuretama, que em tupi significa terra, lugar (r-etama) de campos, Campinas (nhu). Mais tarde, voltaria a se chamar Campos Novos, desta vez, “do Paranapanema”, por causa do rio, que é afluente do rio Novo. O topônimo atual nasceu em 1948, por ocasião de sua segunda emancipação política, de Santa Cruz do Rio Pardo, sendo o gentílico acrescentado para diferenciá-lo de outras localidades com o mesmo nome no País” (4). O ensinamento que se deve apreender do histórico de perda de relevância econômica e política de Campos Novos Paulista consiste no fato de que o desenvolvimento capitalista no seu processo de expansão, quando enfrenta limitações de natureza jurídica de âmbito local, busca espaços geográficos em que possa expandir sem tais óbices. Nesse contexto, o obstáculo de uma legislação local não impediu o avanço dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana que caminhou por outras paragens. No campo das restrições ambientais há também o caso da luta ambientalista conta a instalação de uma fábrica de papel na bacia do Rio Paranapanema nos anos 1970. “A primeira luta contra um possível crime ao meio ambiente foi desencadeada em 1978 quando o jornal O Avaré chamou a atenção das autoridades sobre a possibilidade de instalação de uma fábrica de papel na cabeceira do rio Paranapanema. Com repercussão nacional, a luta foi considerada pioneira porque até então se lutava somente contra aqueles que já estavam poluindo o meio ambiente. Jamais se lutara a favor do meio ambiente antes dele correr o risco de ser contaminado por uma fábrica do porte da Braskraft, que ameaçava se instalar no município de Angatuba”(5). Nesse processo “a guerra iniciada pelo jornal e que depois contou com a adesão de inúmeros empresários, entidades de classe, clubes, associações, sindicatos, rádios, jornais e televisão, de todo o país, saiu vencedora e a indústria acabou desistindo da idéia. Não sem antes tentar por todos os meios, montar sua fábrica num local que poderia trazer graves problemas ecológicos à represa de Jurumirim “(6). Vitoriosa a luta ambientalista como está a realidade do Sudoeste Paulista, onde se encontram as cabeceiras do Rio Paranapanema? Recente levantamento da Secretaria Estadual do Meio Ambiente destacando os pólos de reflorestamento mostra que “foram delimitados cinco pólos de reflorestamento, como essas concentrações foram denominadas: Botucatu-Itatinga-Agudos, com 163.210 hectares de área reflorestada; Itapeva-Capão Bonito-Buri, com 125.829 hectares; Bragança Paulista-Salesópolis-Campos do Jordão, com 149.821; Itapetininga-Pilar do Sul-Sorocaba, com 98.589 hectares; e Itirapina-Luís Antônio-Mogi-Guaçu, com 135.583 hectares”(7). Os dados mostram que dois desses cinco pólos de reflorestamento com lavouras florestais de pinnus e eucaliptus estão nas cabeceiras do Rio Paranapanema e seus afluentes, quais sejam Itapeva-Capão Bonito-Buri, com 125.829 hectares e Itapetininga-Pilar do Sul-Sorocaba, com 98.589 hectares totalizando 224.418 hectares. E a questão dos impactos regionais são de tal dimensão que, recentemente (junho de 2004), o “município de Capão Bonito, no sudoeste do Estado de São Paulo, aprovou lei que limita a plantação de eucalipto. A lei, disciplina o uso de terras destinadas ao reflorestamento e impede o plantio de eucalipto em terras aptas à agricultura”. Numa região que havia impedido a instalação de uma fábrica de papel, o avanço das lavouras florestais ganha tal magnitude que a alegação que fundamenta a edição da norma municipal, foi que o reflorestamento tira área das outras lavouras e elimina empregos, gerando impactos sociais perversos (8). Verifique-se que a luta ambiental do Sudoeste Paulista realizada nos anos 1970 conseguiu impedir a implantação da agroindústria de papel nas margens do Rio Paranapanema, mas não teve qualquer efeito quanto à expansão do plantio de lavouras florestais no mesmo espaço geográfico. Tanto assim que na bacia hidrográfica em questão concentra-se parcela relevante dos plantios de pinnus e eucaliptus, que inclusive continuam em expansão causando reações das municipalidades atingidas. Do ponto de vista da renda bruta, o valor da produção agropecuária das lavouras florestais (pinnus e eucaliptus) vai ser multiplicado por mais de 10 vezes na agroindústria de papel e celulose, além de toda agroindústria de madeira e moveleira. A referida fábrica foi implantada no lado paranaense da mesma bacia do Rio Paranapanema, com a região Sudoeste Paulista nesse caso convertendo-se em mera fornecedora de matéria prima básica, seja para essa fábrica paranaense postada logo do outro lado da fronteira, seja para outras unidades agroindustriais do mesmo segmento localizadas em outras regiões paulistas. Noutras palavras, manteve-se um baixo nível de geração de renda numa região que historicamente se reproduz como primário-exportadora que continua na sua sina de economia periférica de outras regiões mais desenvolvidas. Basta para isso verificar os terríveis indicadores de desenvolvimento humano de todo o Alto Paranapanema, como os os municípios localizados na fronteira com o Estado do Paraná, em especial aqueles que estão no espaço formado no lado esquerdo da rodovia Capão Bonito-Itapeva-Itararé até a Serra de Paranapiacaba. Em síntese, há que refletir de forma consistente se essa região ganhou ou perdeu a instalação da referida agroindústria de papel. Os indicadores de renda agropecuária e de desenvolvimento humano conformam-na como um dos espaços territoriais mais pobres do Brasil. Esses dois exemplos mostram que o desenvolvimento capitalista da agricultura numa economia continental como a brasileira, em que há ainda uma imensa fronteira agropecuária a ser ocupada tanto em termos horizontais com a expansão das lavouras como vertical pela intensificação do uso do solo, decisões restritivas ao investimento podem condenar espaços geográficos à condição de reprodução periférica, colocando-os à margem do processo de desenvolvimento. Nesse sentido, vitórias de lutas convertem-se em autênticas “vitórias de Pirro”. Isso porque tais restrições exacerbam uma característica fundante da agricultura brasileira, pontuada em textos clássicos de pensadores de renome como Ruy Muller Paiva (fundador da economia agrícola brasileira) e Celso Furtado (um dos maiores nomes brasileiros da ciência econômica). Trata-se de que têm-se aqui a reprodução sistemática da agricultura itinerante do ponto de vista econômico uma vez que se verifica na história uma sucessão de eldorados, onde as lavouras dinâmicas forjam núcleos dinâmicos e espraiam o crescimento da riqueza em dado tempo histórico até que um novo eldorado absorva essa energia impulsionadora do dinamismo econômico. Na esteira da decadência de regiões que perderam dinamismo emergem o empobrecimento rural e problemas ambientais graves de pastagens degradadas. Tanto assim que um dos dilemas de Ruy Muller Paiva era buscar retomar o dinamismo da regiões de ocupação antiga, rompendo com os ciclos históricos de reprodução de eldorados(9). Exemplos não faltam na história, basta verificar o clássico referente à economia cafeeira: o Vale do Paraíba foi o primeiro eldorado do café antes de Ribeirão Preto, da Alta Paulista e do Norte do Paraná, regiões que atualmente não são mais predominantes na lavoura cafeeira que mudou-se para Minas Gerais e outras unidades da federação. Dentre essas ex-regiões cafeeiras é interessante verificar que o Vale do Paraíba apresenta-se como a mais pobre região paulista do ponto de vista da agropecuária apesar de sua localização geográfica privilegiada e a Alta Paulista também enfrenta problemas sérios de dinamismo. Ambas, após terem vivido o fulgor do ciclo cafeeiro, não reencontraram-se com o dinamismo econômico. E esse problema não foi superado, como mostra estudo recente do Instituto de Economia Agrícola (IEA) ao concluir que “a discussão sobre a preocupação de Ruy Miller Paiva no início dos anos 60, quando pontificava que uma exigência do desenvolvimento econômico estaria na superação do dilema da agricultura itinerante, apresenta-se muito atual, uma vez que o grande movimento de transformação espacial recente da lavoura brasileira mostra a persistência desse antigo problema” (10). A reflexão conduz então à constatação histórica de que Ribeirão Preto e outros antigos espaços cafeeiros paulistas após a crise e decadência dessa atividade que sustentou a estruturação do desenvolvimento econômico de diversos espaços da economia agropecuária paulista, só não tiveram o destino de decadência de outras antigas regiões cafeeiras exatamente porque a agroindústria canavieira conferiu dinamismo que alavancou a continuidade e incremento do ritmo de desenvolvimento econômico. Daí, por mais nobres que sejam os propósitos ambientais e sociais, há que se ter cuidado na proliferação de decisões judiciais que acelerem a proibição da queima de cana, conduzirá os investimentos do complexo de açúcar e álcool para outras regiões, paulistas ou não, hávidas em oferecer vantagens e facilidades para recebem esse investimento agroindustrial. E desde sempre, em mais de 5 décadas de economia canavieira regional, a queima da cana representou numa técnica invariavelmente utilizada no preparo dos canaviais para a colheita. A queima de palha para produzir energia deu celeridade às transformações da economia regional. Esse processo de desenvolvimento das forças produtivas já indica o avanço crescente da colheita mecânica eliminando-se exatamente a queima da palha. Entretanto, nas transformações econômicas que movem a história prevalece o ditado da sabedoria caipira: “não há como colocar o carro adiante dos bois”. Proibir a queima da cana de forma abrupta além de não levar em conta esse ensinamento da sabedoria popular, redundará em enormes e graves prejuízos à economia regional sustando-lhe o dinamismo por inibir o investimento. Afinal, o capital não se dobra à lei, mas produz as leis para legitimar seus desdobramentos. (1) Há que se destacar aqui que esse fundamento se aplica numa análise de largo prazo e não na dimensão imediata de cada fato. Mais ainda, usando uma metáfora, a análise do “movimento das águas de um rio” se faz abstraindo-se os limites colocados nas suas margens. Nesse sentido, o que está à margem só entra na análise nos momentos em que o rio transborda. (2) Ver MORE, Thomas. A Utopia, Abril Cultural, São Paulo, 1979, p. 159-314. (Os Pensadores). (1ª Edição 1508). (3) MARX, Karl. O Capital Vol. I - Livro Primeiro. Abril Cultural, São Paulo, 1983, 301p. (Os Economistas). (1ª Edição 1864) (4) disponível em http://www.camposnovospaulista.sp.gov.br/a_cidade/historia.asp . (6) disponível em http://www.avarenews.com.br/reportagem20031122.htm. (7) disponível em http://www.ambiente.sp.gov.br/destaque/reflorestamento.htm). (8) disponível em http://www.celuloseonline.com.br/pagina/pagina.asp?iditem=4100 ) (9) ver PAIVA, Ruy Miller. Retorno da agricultura de São Paulo para as Zonas Velhas: fator imprescindível para o desenvolvimento econômico do País. Agricultura em São Paulo, SP, v.7, n.9, p.1-22, set. 1960. (10)ver GONÇALVES, José Sidnei & SOUZA, Sueli Alves Moreira Modernização da produção agropecuária brasileira e o velho dilema da superação da agricultura itinerante Revista Informações Econômicas, SP, v.28, n.4, abr. 1998 (Disponível em http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=959) José Sidnei Gonçalves, Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências Econômicas, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (e-mail: sydy@iea.sp.gov.br) Sueli Alves Moreira Souza, Economista, Pesquisadora Científica do IEA/APTA (e-mail:sueli@iea.sp.gov.br). |
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