Mercado
Café: decisões adaptadas às conveniências do pecúlio
São Paulo, 21 de setembro de 2007    
por Celso Vegro (*)

1 - Análise de Preços e do Mercado
Em agosto, observaram-se dois comportamentos díspares para as cotações do café. Enquanto para o tipo arábica as cotações passaram a exibir o decantado contexto de escassez, para o tipo robusta, houve ligeira retração nas cotações. Em Nova Iorque (arábica Contrato C - 2a Posição), a cotação média de agosto foi de US$158,55sc./60kg que, frente aos US$153,24sc./60kg de julho, representa acréscimo de 5,37% no mês. Este aumento na cotação média recupera, parcialmente, as perdas observadas em 2007 (que somam -5,70%), porém contribuindo para acúmulo de 11,04% de valorização do produto nos últimos doze meses.
Por sua vez, na Bolsa de Londres, as cotações médias do robusta, em agosto de 2007, registraram forte queda (-5,44%), quando comparadas ao mês anterior. Porém, ao contrário do arábica, o robusta exibe ganho de 22,10% nos últimos doze meses. O anúncio que o Vietnã poderá colher uma safra recorde contribuiu para a queda nas cotações.
No mercado de futuros da BM&F, para o arábica, houve novamente um descolamento de Nova Iorque, uma vez que as cotações subiram 7,08% (Contratos Futuros de 2a Posição), estabelecendo a média de US$147,65sc./60kg em agosto de 2007. No ano, mesmo com esse forte aumento nas cotações, a bolsa paulista contabiliza queda de -2,97%. Nos últimos doze meses, as cotações exibem ganho de 15,58% bastante acima dos ganhos observados no ano na Bolsa de Nova Iorque (com 11,04%). A forte expansão do mercado interno, com taxas de crescimento próximas de 4% ao ano, e a substancial queda nos estoques (públicos e privados) são os fatores responsáveis pela pressão sobre as cotações na BM&F.
Pressionado pelas cotações do arábica, o indicador da Organização Internacional do Café (OIC-Composto diário) apresentou diminuição de -2,65% em relação à média da cotação de julho de 2007. No acumulado dos últimos 12 meses, esse indicador registra crescimento positivo de 8,43%, embora em 2007 apresente variação negativa de -3,99%.
As cotações diárias do arábica (Contrato C, 2ª Posição, na Bolsa de Nova Iorque), exibiram forte elevação na primeira quinzena do mês para assumirem trajetória ascendente da segunda quinzena em diante. O valor médio do mês foi de US$158,55/sc. flutuando entre o mínimo registrado de US$152,45/sc. e o máximo de US$162,97/sc.
Ao longo de todo o mês de agosto, as cotações do robusta exibiram tendência de queda que se intensificou a partir do dia 10/08 e se estendeu até 17/08, para a partir de então iniciar um movimento de recuperação. A menor cotação foi de US$99,24/sc. e a maior, de US$111,12/sc. com média no mês de US$105,65/sc.
No mercado de café paulista, as cotações médias do arábica em agosto (em R$/sc.) subiram 1,86% em relação à média de junho. No acumulado dos últimos 12 meses, as cotações no mercado paulista ainda exibem ganho de 19,84%, mesmo que se considere o recuo de -3,71% no ano.

2 - Adágio para a Política Cafeeira: apressado come frio e cru
Uma política para alcançar suas metas precisa ser composta por três alicerces fundamentais: a) oportunidade; b) abrangência e c) desenho. Ao se debruçar sobre o Prêmio Equalizador Pago ao Produtor de Café (PEPRO) não se observa sua adequação para quaisquer dos atributos listados. No quesito oportunidade, por exemplo, a política falha ao não considerar a dimensão do problema a ser equacionado. Ou seja, a safra de 32,6 milhões de sacas deve ser considerada de tamanho capaz de demandar um mecanismo de política agrícola que venha a interferir na estrutura do mercado e, conseqüentemente, na formação dos preços? Certamente não, pois com o cenário futuro de abastecimento comprometido e os estoques públicos e privados em níveis absolutamente minguados, espera-se uma reação dos preços que recomponha a rentabilidade da exploração, sendo, portanto, inoportuno a atual orientação para a implementação dessa política.
Quanto a sua abrangência, estima-se que serão beneficiados 16,6 mil cafeicultores, para um universo entre 200 e 250 mil produtores de café arábica. Portanto, os dois leilões do PEPRO contemplaram menos de 10% dos cafeicultores credenciáveis à participação no prêmio. Ainda que o argumento da crise fiscal do governo federal conduza as políticas públicas para fortes restrições orçamentárias, pode-se concluir que sua limitação de abrangência, ao atender apenas a uma minoria de cafeicultores, esvazia sua pretensão universalizante.
Finalmente, no item desenho, a falha torna-se mais patente. O conjunto das cooperativas, que arrematou aproximadamente 85% dos contratos leiloados, e o Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC), ao vincular ao sistema cooperativista o leilão dos contratos problemas de diversas naturezas, vêm à tona. Quais foram os critérios de que se valeram as cooperativas para cadastrar os cafeicultores aptos a participarem do PEPRO? Tais critérios foram ao menos isentos de grosseiras arbitrariedades? De que modo foram estabelecidos os critérios de seleção dos cafeicultores aderentes ao programas. Como deixar de desconfiar que os membros da administração (diretores e conselheiros) não foram os primeiros a terem seus CPFs listados para participarem do prêmio. Ademais, fere um princípio básico do cooperativismo, qual seja, a isonomia entre seus membros. Não se pode conceber uma política que atenda a uma parcela e a outra não, reunindo todos os sócios direitos e deveres absolutamente idênticos dentro da empresa cooperativa. Lamentavelmente, o PEPRO é também reprovado em seu desenho.
Ao implementar o PEPRO, os gestores da política cafeeira equivocaram-se. Afora as críticas formuladas, antecedentes cruciais foram desconsiderados. Antes de executar qualquer política cafeeira é necessário definir: a administração federal deve ou não possuir estoques públicos de café. A partir dessa decisão estratégica, justifica-se toda uma família de políticas dentre as quais o PEPRO. Esse é o avanço que se espera para a próxima safra que exigirá criatividade e gordo orçamento para fazer frente àquela que poderá ser a maior colheita da década.

3 - Embalados em "Berço Esplêndido"
Os gestores da política cafeeira vietnamita poderiam oferecer estágio às nossas tão decantadas lideranças do agronegócio café. Trabalhando nos bastidores, os vietnamitas ao lado dos administradores da Bolsa de Nova Iorque no princípio de setembro lançaram o contrato futuro de café robusta naquela praça. Mais impressionante é o esforço não se restringir a essa sensacional jogada. Os vietnamitas preparam para o próximo ano operar contrato similar também na Bolsa de Chicago. Provavelmente, os quase vinte anos de conflagração entre vietnamitas e estadunidenses, com a vitória dos primeiros, ensinaram os segredos de como negociar seus interesses, aspecto que a longa e amistosa relação entre brasileiros e americanos até hoje foi incapaz de criar.
É impressionante como enfunam o peito as lideranças do setor quando declaram que o Brasil é o maior produtor e exportador mundial da commodity, segundo maior consumidor e, mais recentemente, que possui a cidade em que mais se apreciam café no mundo, São Paulo, com 25 milhões de xícaras diárias. Porém, nunca se vê um desses líderes comentar que o nosso tão precioso café é cotado por meio de deságio a partir de um contrato de café colombiano negociado em Nova Iorque. Mesmo já colhendo volume de produção de café lavado similar a alguns países centro-americanos, o "supremo" brasileiro ainda não tem cotação naquela bolsa e pelo desinteresse por esse assunto pelos gestores da política cafeeira, e isso só deve mesmo acontecer no já mencionado "sobrecarregadíssimo Dia de São Nunca".

4 - Novo Assalto ao Dinheiro da Bolsa da "Viúva"
Os donos do poder, apenas provisoriamente ajuntados em Brasília, preparam outra anistia para os maus pagadores dos financiamentos públicos. O despautério dessa gente infame é de tal ordem que foi proposto, inclusive, a suspensão das legítimas execuções judiciais que visam o líquido direito em recuperar o crédito contratualmente concedido. A alucinação é tamanha que no caso do PRODECER, o atraso no reembolso já ultrapassa o valor dos financiamentos (decorrente, talvez dos acréscimos relativos à inadimplência). Essa linha, em particular, apoiou fortemente a expansão da cafeicultura irrigada de grandes dimensões para áreas do cerrado mineiro e baiano. Excluído o PRODECER do cálculo da média dos atrasos, cerca de 22% dos montantes encontram-se atrasados. Para o FUNCAFÉ, o atraso nos pagamentos participa com 30% do saldo existente, ou seja, os cafeicultores são piores pagadores que os agricultores familiares (categoria que também congrega cafeicultores), cujo percentual de atraso coincide com a média calculada.
Não interessa se a credibilidade das políticas públicas, em particular a agrícola, seja deitada para o ralo, o que importa é exibir o irrefreável desejo dos políticos e dos lobbys que os sustentam, em se dedicar intrepidamente em salvar o patrimônio dos cafeicultores remediados e bem de vida. A perversidade da lógica econômica vigente no agronegócio brasileiro fere o princípio básico da democracia, qual seja, o da isonomia entre os indivíduos. Enquanto a imensa maioria da população é subjugada por taxas extorsivas incidentes em seus empréstimos (cartão de crédito, cheque especial, crédito especial e até o inocente consignado em folha), uma parcela da elite produtora rural toma empréstimo, não os paga e ainda pretende ser premiada com uma quase anistia e outras incontáveis benesses. Aqueles que possuem ou mandam, ajeitam suas idéias às conveniências do pecúlio. Essa gente não merece fé. Triste esse nosso Brasil, quer dizer, deles!

5 - CDPC carece de uma Ouvidoria
A função da Ouvidoria é a de captar o sentimento de satisfação do destinatário final de um produto ou serviço, buscar soluções para as questões por ele levantadas e oferecer informações gerenciais e sugestões aos gestores, visando sempre o aprimoramento do processo de produto ou de prestação do serviço.
Nas democracias modernas, tanto para o setor público como para o privado, as ouvidorias se tornaram departamentos de elevada importância e elemento condutor na racionalização dos processos. Ao sustentar mecanismo que assegure um canal de comunicação dos usuários dos serviços ou adquirentes de um bem, as instituições conferem ao seu cliente uma forma de se pronunciar em proveito inclusive para o fortalecimento da qualidade dos serviços prestados ou bens produzidos.
Um avanço institucional de primeira ordem seria a criação de uma ouvidoria para o CDPC. Ainda que as atas das reuniões mensais estejam disponíveis para consulta pela web, algumas deliberações poderiam ser complementadas por sugestões e críticas vindas dos diferentes elos que compõe o agronegócio. Em sua estrutura atual o caráter soberano do conselho neutraliza eventuais descontentamentos que invariavelmente surgem. O CDPC precisa se acostumar com a idéia de que vozes contrárias existem e precisam encontrar respaldo na atual estrutura do órgão. Não raro, uma grande inovação pode estar por trás de uma reclamação. Ao se transformar em mais uma burocracia, o CDPC perde eficiência e será conduzido ao fracasso por excesso de endogenia.

(*)Celso Vegro é pesquisador do Instituto de Economia Agrícola, órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo.

(**) O autor agradece a colaboração do técnico de apoio Gilberto Bernardi e as sugestões do pesquisador José Sidnei Gonçalves.
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