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Imperativo pacífico | |||
São Paulo, 1 de maio de 2016 | |||
Por Celso Vegro (*) e Paulo Sérgio Caldeira Franco (**) É no imperativo que os representantes das nações declaram seus mútuos intuitos de semear relações amistosas e de estabelecer vínculos de prosperidade. Verbos como: fortalecer; construir; reconhecer; apoiar; facilitar; promover; contribuir; afirmar; expandir constituem a cartilha dos protocolos firmados sempre com pompa e circunstância. Sob essa pauta que se celebrou, em novembro de 2015, o Tratado de Associação do Pacífico (TTP – em inglês) (1), reunindo doze países com grau extremo de heterogeneidade. Desde economias liberais como Estados Unidos e Austrália, Canadá misto de liberal com o do bem-estar, ao planejamento central do Vietnã; países continentais, novamente, Estados Unidos e Austrália, e ilhas como o Brunei Darussalam (enclave muçulmano na ilha de Bornéu), Singapura, Nova Zelândia e o Japão. Países com população majoritariamente indígena e mestiça como o Peru e México, enquanto outros com graus de homogeneidade acentuada como Japão, Singapura, Malásia e Chile. Aspectos culturais e crenças prevalecentes, sobremaneira, as disparidades desse conjunto de países, fazendo qualquer tentativa de aproximação projeto desmesuradamente ambicioso. Sob essa perspectiva é que os imperativos passam a demandar um rosário de filigranas para produzir o consenso que se exige de um tratado, notadamente, dos comerciais. Foi a partir da era moderna que os interesses comerciais se constituíram em motivação para aproximação entre nações livres do mando colonial. Grande parte da teoria econômica iniciou-se e mantém-se na atualidade, vinculada aos estudos dessa temática. Em geral, a perspectiva laudatória das análises amalgamou comércio e progresso de modo siamês, incentivando o ímpeto pela celebração de acordos entre as nações. Todavia, o êxito nem sempre acompanha tais esforços, pois, se assim fosse, os brasileiros estariam atualmente sob a égide da ALCA ou da UNASUL. É importante que se faça alerta, pois muitas falsas expectativas surgem quanto novos pactos são firmados, tanto pelos agentes públicos quanto os privados. Esse ponto de vista não desmerece o TTP, reconhecendo tacitamente, porém, que a dinâmica dos negócios internacionais é presentemente pautada pelas trocas que ocorrem entre países do Pacífico, suplantando a dominância atlântica de outrora. É sob esse prisma que se deve analisar o TTP. O documento vertido para o espanhol pela Secretaria de Economia dos Estados Unidos Mexicanos é composto por trinta capítulos distribuídos por 831 páginas! O maior dos capítulos delineia as cláusulas das Regras de Origem, perfazendo 197 páginas (basicamente harmonizar a codificação numérica das famílias de produtos), seguido pelo Tratado de Acesso a Bens e Mercado, com 101 páginas. O capítulo que versa sobre Propriedade Intelectual esboça-se por outras 73 páginas. Esses três capítulos juntos perfazem 44,64% do documento. Valendo-se do critério de importância do assunto pelo número de páginas que contempla, esses capítulos formam o coração do documento. Cooperação, Desenvolvimento e Políticas de Competitividade e Facilitação de Negócios, juntos somam menos de 10 páginas. Facilmente se percebe que o caráter do documento é favorável aos países centrais mais adiantados tecnologicamente, pela ênfase na propriedade intelectual e os anêmicos capítulos que desenham os compromissos de cooperação e desenvolvimento. O tema do Meio Ambiente, que envolve a sustentabilidade exigência máxima da atual etapa de evolução do ambiente de negócios, possui apenas 21 páginas, ou seja, é meramente um apêndice dentro do documento. Transferência de tecnologia, elemento fundamental para homogeneização entre as nações, nenhuma linha. Enfim, eles lá sabem o que fazem. No primeiro capítulo o TTP estabelece que serão mantidos todos os acordos já firmados pelos membros junto a terceiros extrabloco, assim como, os tratados vigentes sob égide da Organização Mundial do Comércio (OMC) e celebrados sob o antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Tomado esse aspecto em conta, os estados membros do TTP outorgarão tratamento fiscal nacional para os bens originados em nação pertencente ao acordo, ou seja, nem mais nem menos favorável, comprometendo-se ainda a não incrementar tarifas vigentes. Tendo esses pilares como referência, estabelecem que se dará andamento a uma progressiva diminuição de tarifas, conjuntamente e/ou a partir do interesse explícitos das partes envolvidas (dois ou mais membros). Nesse mesmo capítulo foram inseridas as listas de exceções de cada país cujos produtos/bens terão tratamento diferenciado. Vietnã e Malásia, estabeleceram as mais longas listas de exceções contemplando 50 das 101 páginas do capítulo, especificando cada tipo de produto e sua regra particular. Comparativamente, os Estados Unidos acrescentaram apenas dois parágrafos em sua lista, sendo apenas um sobre produto (troncos de madeira) enquanto o outro ratifica decisões anteriores, ainda da época do GATT, relativas à sua marinha mercante. Efetuada essa narrativa sobre o tratado, caberia apreciar seu impacto sobre o agronegócio brasileiro, particularmente, no do Cafés do Brasil, fulcro desta análise. Tal proposição decorre da preocupação gerada pela participação do Vietnã, Peru e México, importantes países produtores de café arábica, robusta e agroindustriais de café solúvel, ao lado de expressivos países consumidores como Estados Unidos, Japão e Canadá. A estimativa de consumo publicada pela Organização Internacional do Café (OIC) registrou, em 2014, importações de 27,6 milhões de sacas por parte dos EUA, 7,66 msc pelo Japão e 3,89 msc pelo Canadá e 2,74 msc pelo conjunto de Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Chile, totalizando, entre não produtores, demanda de 41,89 milhões de sacas. Na safra 2015/16, segundo a mesma fonte, o Vietnã produziu 27,5 msc, o México 3,9 msc e o Peru 3,2 msc, totalizando esses três países 34,6 milhões de sacas (2). Portanto, o bloco de países participa com aproximadamente 28% e 23% do consumo e produção mundiais, respectivamente. Em 2015, o agronegócio Cafés do Brasil exportou para o bloco de países composto por: Estados Unidos, Japão, Canadá, México, Austrália e Chile (3), segundo dados estatísticos do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), 10,33 milhões de sacas de café verde (arábica e conilon), carreando mais de R$620,04 milhões para a balança comercial do país. Constata-se a importância desse mercado cotejando-se a expansão das transações frente a 2014. Para as quantidades embarcadas, o avanço contabilizado entre os seis países listados foi de 4,81%, enquanto o crescimento para o conjunto das exportações de café verde foi de apenas 0,93%. A comparação de valores também é favorável às exportações para os membros do TTP, pois a queda registrada no saldo das transações foi de -2,33% frente ao mercado total em que o declínio atingiu -8,04%. O declínio das cotações das commodities não poupou os preços do café. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) (4), entre janeiro e dezembro de 2015, a queda das cotações somou -21,68% e -15,64% para arábica e robusta, respectivamente. Portanto, a piora do resultado no valor capturado pelo Brasil com as vendas café e sucedâneos foi resultado desse fenômeno mais geral do qual as cotações do petróleo foi a principal vítima. Nas exportações de café solúvel, em 2015, os mercados de: Estados Unidos, Japão, Canadá, Malásia e Chile, absorveram aproximadamente 920 mil sacas em equivalente verde de produto brasileiro (ou seja 26% do total exportado), ao valor de US$144,50 milhões. Frente a 2014, registrou-se queda de -8,15% em quantidade e de -14,22% em valor5. O segmento de solúvel brasileiro crê que com a acentuada desvalorização do real frente ao dólar essa tendência de perda de mercado possa ser revertida. Indício favorável a essa hipótese foi a recente retomada de solubilizadora desativada na cidade de Varginha/MG. Os Estados Unidos6, individualmente, maior mercado importador de café, transacionou com os três maiores países membros produtores da rubiácea, cerca de 4,47 milhões de sacas de café verde em 2015(7). Comparativamente ao ano anterior, registrou-se queda de 21%, ou seja, o maior importador de café em âmbito global necessitou recorrer a fontes alternativas de suprimento, entre elas o Brasil. O declínio mais acentuado nas compras ocorreu justamente do maior produtor do bloco, o Vietnã, que contabilizou queda de 24%, em termos de quantidade, comparativamente, ao registrado em 2014. A retenção do produto por parte da autoridade vietnamita e a valorização pela qual passou o dólar (sendo o dong moeda ancorada na cotação da estadunidense), esfriou a corrente de negócios entre os dois países. Quedas nas importações estadunidenses, porém de menor magnitude, também, foram registradas no Peru e México, países que não tiveram qualquer problema no drive exportador em razão de flutuações cambiais. Ambas nações após um vigoroso aumento da produção nos anos 90, vem registrando seguidas quedas na quantidade colhida, permitindo-se, inclusive, reconverter o México de país produtor para importador de tão minguada que tem sido suas safras de café. Aparentemente, o TTP não trará grandes impactos sobre o agronegócio dos Cafés do Brasil, ao menos no curto e médio prazo. Tal perspectiva não isenta os agentes públicos e privados em estabelecer diretrizes que mantenham o vigor das exportações brasileiras para os mercados consumidores reunidos pelo tratado. O desafio consiste, portanto, na formulação de agenda estratégica para continuar firmemente instalado nesses mercados. Tentativamente, pode-se elencar: a) aproximar o MERCOSUL, por meio de seu membro associado, o Chile, do bloco de países do TTP, assim como já está ocorrendo com a UE e estabelecer tratativas para um acordo comercial interblocos; b) manter esforço vigoroso na certificação/verificação dos processos produtivos, visando atender às exigências dos clientes/consumidores desejosos de maior sustentabilidade de suas aquisições; c) aproveitar o movimento de concentração do capital, observado a partir das aquisições efetuadas por torrefadoras líderes, para alça-las ao cenário internacional do varejo global com produtos de maior valor agregado; d) buscar patamares mais elevados para a qualidade da bebida, com destaque crescente para os cafés descascados e o Bourbon Amarelo, duas maravilhas brasileiras no cenário da cafeicultura mundial; e) difundir a constatação de que o conilon é melhorador da bebida obtida pelo blend que compõe a industrialização do solúvel mundo afora; f) favorecer as exportações diretas das cooperativas de cafeicultores objetivando encurtar a cadeia de intermediação e com isso agregar competitividade ao segmento; g) valorizar a reputação do comércio exterior brasileiro de café em termos de eficiência, confiabilidade, qualidade e sobretudo sustentabilidade econômica na medida em que a transmissão de preços da bolsa de Nova York aos cafeicultores supera os 90%; h) como maior exportador mundial de café solúvel, o Brasil deve apoiar ações que visem fortalecer as vendas para os membros da TTP, mantendo e/ou ampliando seu posicionamento, levando em consideração que o número de plantas solubilizadoras no mundo, ainda não e suficiente para deslocar a liderança brasileira; i) aprimorar a legislação de comércio internacional com intuito de desburocratizar e reduzir o custo das operações de exportação (via rápida); e j) melhorar a eficiência portuária e modernizar a legislação para a navegação de cabotagem. O TTP poderá se tornar barreira ao comércio exportador do agronegócio café caso os agentes públicos e privados não harmonizem suas estratégias (dentre as listadas e outras que emergirem a partir desse debate iniciado) visando mitigar eventuais impactos que o novo bloco venha causar ao vibrante comércio exportador de Cafés do Brasil. (1) Disponível em: http://www.gob.mx/cms/uploads/attachment/file/36483/Capitulado_completo_del_Tratado_de_Asociaci_n_Transpac_fico_en_espa_ol.pdf Acesso em 15/04/2016. (2) Disponível em: wwwico.org. Acesso em 18/04/2016. (3)A publicação do MAPA engloba os demais países membros do TTP na categoria outros, dificultando a mensuração correta dos valores relativos ao comércio do agronegócio Cafés do Brasil com os 12 países membros. De qualquer modo, a totalização na categoria outros inicia-se com quantidades e valores abaixo das 150 mil sacas para café verde e 500 toneladas para café solúvel, ou seja, mercados bastante residuais dentro dos cinco maiores importadores. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/vegetal/estatisticas Acesso em 18/04/2016. (4) Disponível em: http://www.imf.org/external/np/res/commod/index.aspx Acesso em 18/04/2016. (5) Nessa totalização excluíram-se as exportações de café torrado e moído e extrato de café que juntos somariam algo como US$19 milhões e quantidade de 3 mil toneladas destinados aos membros do tratado. (6) Devido a cobrança pelo acesso, dados sobre Japão e Canadá não puderam, lamentavelmente, ser agregados a essa análise. (7) Disponível em: http://apps.fas.usda.gov/gats/default.aspx. Acesso em 19/04/2018. (*)Celso Luis Rodrigues Vegro Eng. Agr., M.S., Pesquisador Científico do IEA celvegro@iea.sp.gov.br (**)Paulo Sérgio Caldeira Franco Analista de Sistemas, Agente de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do IEA pscaldeira@iea.sp.gov.br |
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