O que eu gosto
Sabiá chocando, serelepe perseguindo, pau ferro esplendoroso…
São Paulo, 18 de dezembro de 2011    
Nem um sítio pode-se dizer que aquilo é. Mas o prazer que proporciona é quase inenarrável. Tentarei narrar. Acordo e vou para a cozinha. Sentado à mesa enquanto a água passa pelo café observo a fêmea sabiá que fez seu ninho na chaminé do fogão à lenha. E choca seu ou seus ovos. De tempos em tempos, o macho vem com alimento no seu bico alimentá-la boca a boca. Imagino que o momento é importante e ela não pode deixar de aquecer seus ovos, seus filhos. Maninha vai trocar a água do Xico, nosso velho e claudicante labrador ali próximo do ninho, a sabiá empoleirada em um galho esbraveja, pia barulhentamente, faz um escândalo. Ninguém pretende estragar esse vai-e-vem da natureza. Essa sabiá-fêmea é uma pentelha, acorda-nos frequentemente bicando a janela da sala. Não sabemos se ela enxerga alguma coisa no vidro, mas o fato é que ela bica o próprio, faz um barulhão, às sete da manhã isso enche um pouco o saco, mas deixamos ela à vontade. Ninguém usa estilingue naquele pedaço.
Mais tarde vamos, Maninha e eu, caminhar por Endoor, nome que demos ao terreno ao lado que compramos. Os serelepes estão muito à vontade. Nossa presença não os intimida, passeiam quase trombando com a gente comendo tudo que plantamos. Foi para isso que cultivamos aquelas frutas. Gostamos quando sobra alguma coisa para a gente também. Nosso jardineiro, Sr. Romildo, diz que a família de jacus, sim, temos uma família de jacus, seguem-no e vão comendo da nossa horta e tudo o que for possível. Também temos uma família de saracuras, umas galinhas pernudas, fazem um barulho infernal, moram ali por perto. Outro dia o manquitola do Xico, nosso labrador com muitos anos de vida, apareceu com um rabo de um lagarto que perseguiu como se fosse um garoto. Trouxe o troféu para a gente ver. Ficamos nervosissímos com a saúde do lagarto, mas parece que tudo ficou bem.
Nossas árvores são um espetáculo à parte. Plantei uma muda de pau-ferro de uns quinze centímetros. Ela cresce muito devagar. Estava exuberante, as saúvas atacaram, ficou só o caule. Amaldiçoei, tentamos não empestear o solo com venenos, mas as saúvas são um teste para a paciência de qualquer um. Hoje o pau ferro recuperou-se, está deslumbrante, lindo. Tem pouco mais de um metro de altura. Nossas groselhas, cajá-manga, castanha portuguesa, mirtilos, jambo, abacates, lixia e muitas outras seguem muito bem. Plantei até um pé de jaca que está vigoroso. Da horta aproveitamos os baby-tomatoes, rúcula, escarola e todo tipos de temperos. É muito gostoso. Não é comercial, é apenas uma diversão, mas é muito agradável. Já fiz até dois vidros com a minha receita de pimentas. É uma luta tirar as pimentas maduras, os sabiás adoram, comem todas, mas consegui salvar algumas que resultaram em uma conserva com azeite-de-oliva e outra com vinagre. Para terminar, a minha primeira árvore, a rainha, está um verdadeiro show. Trata-se da muda de flamboyant, ou como se diz no interior, flor baião. Quando plantamos era tão frágil e pequenina, hoje exuberante e em breve nos brindará com suas flores lindas. Definitivamente acho que o Universo conspira a nosso favor, desde que a gente dê uma mão para ele. Essas pequenas coisas deixam-me feliz. Como diz um anúncio por aí: “What else?”
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