Mercado
Segredos inconfessáveis
São Paulo, 30 de junho de 2013    
por Arnaldo Luiz Corrêa (*)

A semana terminou com a expiração do mês de vencimento julho/2013. A entrega física de açúcar contra o contrato futuro de NY acabou sendo de apenas 144 mil toneladas de açúcar de baixa qualidade (argentino e salvadorenho) e teve como recebedor apenas uma trading. Pode-se dizer que o volume pequeno, em vista das previsões iniciais que davam conta de uma entrega monstro (mais de 800 mil toneladas), pode ser considerado altista ou, se preferirem um pouco menos de entusiasmo, construtiva.

Durante o último pregão, o spread julho/outubro chegou a ser negociado a 98 pontos de desconto mais do que suficiente para fazer o potencial vendedor rolar sua posição de venda no julho para outubro por 3 meses e ainda embolsar uns 10 dólares por tonelada vis-à-vis o custo de carrego (armazenagem, seguro e custo financeiro) de três meses. Quanto foi rolado? Difícil saber, mas uma entrega dessa em julho realmente tem que ser considerada mesmo construtiva mesmo sabendo-se que os prêmios no mercado físico apreciaram em tal nível que coibiria qualquer entrega de açúcar brasileiro. Os touros se animaram. Pero no mucho.

Com exceção do mês que expirou, que se despediu com queda semanal de 36 pontos, ou 8 dólares por tonelada, todos os demais meses da curva que agora se estende até outubro de 2016 fecharam com pequenas altas de até 11 pontos. Ou seja, apesar da tempestade dos spreads durante a semana, o mercado fechou positivo.

Alguns aspectos ajudam ou poderão ajudar o mercado de açúcar. Cada vez mais usinas começam a refazer os cálculos de quanto se deixou de moer em função das chuvas que tem atingido as regiões produtoras no Centro Sul. Um produtor do Paraná, por exemplo, apontava para o fato de ter tido um total de 32 dias de chuvas. Em São Paulo, esse total foi menor, mas não raro já se ouve falar de uma moagem que dificilmente atingirá as 580 milhões de toneladas. Vamos acompanhar atentamente esses números embora ainda mantemos inalterada nossa previsão de 578 milhões de toneladas divulgada no inicio desse mês.

Com a perspectiva de mais anidro sendo produzido é razoável pensar que teremos menor disponibilidade de açúcar branco. Os reflexos dessa percepção serão percebidos na melhora do prêmio de branco ou pelo menos na sua manutenção. Terá NY negociado na sua mínima? Existe espaço para cair ainda mais? Tudo é possível, mas não podemos esquecer que – como mencionei no comentário da semana passada – a robustez da moeda americana colocou os níveis de preço em reais equivalentes do açúcar negociado em NY tal como se a bolsa tivesse apreciado 200 pontos se considerado o nível de câmbio no inicio de maio. Na quarta-feira, o valor em reais por tonelada, pela simples conversão de fechamento de NY e câmbio, alcançou R$ 869,12 a maior desde 15 de janeiro.

Caso haja uma acomodação da moeda, qual será a reação dos fundos? Não houve tanta cobertura por parte de suas posições vendidas principalmente em função das commodities que estão absolutamente largadas no mercado internacional, mas o açúcar está pesando. Apenas como registro, o açúcar já caiu 13.4% este ano embora ainda melhor do que trigo, café e milho que despencaram 15, 16 e 21%. Um gestor de fundos comenta com a coluna que não está interessado em aumentar sua posição vendida por acreditar que o potencial de queda está limitado. Veremos.

As usinas, como já dito, aproveitaram o câmbio melhor e fixaram bem seus açúcares. É o tal negócio, a volatilidade de NY em reais é mais baixa do que em centavos por libra. Ou seja, a recomendação para as usinas é sempre fazer o câmbio do açúcar fixado a menos que tenha passivos em dólares.

Mudando de assunto, a semana teve em São Paulo, a quarta edição do extraordinário evento Ethanol Summit, promovido pela UNICA, uma vez mais primando pela excelente qualidade técnica e alto nível das discussões. Tornou-se, sem dúvida, um dos eventos imperdíveis do setor. Entre os principais assuntos debatidos, ressalta-se a mudança que vai ocorrer na matriz energética mundial com a produção americana de gás de xisto e os efeitos que uma energia barata como essa poderá trazer na composição e formação de preços e cenários de energias limpas nos anos vindouros, além de prováveis alterações significativas no quadro geopolítico mundial. Localmente, bateu-se muito na tecla de melhora de produtividade na produção de etanol no Brasil para poder competir com novas energias e a reafirmação de nossa vocação com a energia limpa. Outros painéis discutiram possíveis cenários para 2020, o futuro dos biocombustíveis, os gargalos logísticos, os entraves da bioeletricidade, além das questões sobre tecnologia, expansão, oportunidades e investimentos.

O que ficou evidente nas discussões dos diversos temas apresentados é a distância abissal entre as propostas do setor e o desejo de torná-las possíveis e os argumentos medíocres dos representantes do governo federal. Alguns desses argumentos provocaram apupos e ira entre os participantes. Clara e transparente é a falta do governo em pensar estrategicamente. O sentimento para o mais isento dos participantes é de que não existe planejamento e nenhum esforço em se discutir ideias e medidas de longo prazo para o setor sucroenergético. Da parte dos estrangeiros, causa espanto, nas palavras de um dos panelistas, “como o governo conseguiu em tão pouco tempo destruir valor de uma empresa sólida como a Petrobrás e ao mesmo tempo colocar o setor numa situação que desencoraja novos investimentos”. Coisa de prêmio (Ig)Nobel de Economia.

Duas frases poderiam resumir o evento, embora diametralmente opostas em sua significância. Uma do ex-ministro Roberto Rodrigues. Visivelmente frustrado pela situação imposta pela administração petista o ex-ministro, buscando cuidadosamente as palavras, disse: “Como é caro o pré-sal e como é barato o pós-açúcar”. Ou seja, gastam-se milhões com o tal de pré-sal, invenção de Lula que ainda não trouxe os benefícios prometidos e que enxugou o caixa da estatal de petróleo, quando melhor atenção poderia ter sido dada ao etanol brasileiro.

A outra frase lapidar foi a do secretário de acompanhamento econômico adjunto (seja lá o que isso significa) do Ministério da Fazenda, portanto, funcionário do Mantega. Num ato falho, talvez explicado por Freud, mas mostrando o descaso com o qual o setor normalmente é tratado, disse para uma plateia espantada, que o que o governo faz “não é falta de má vontade”. Palavras que saem erradas em momentos inoportunos são vistas na Psicanálise como indícios do que se passa no inconsciente, revelando segredos inconfessáveis da mente. Se essa é a nata que o governo tem e manda para eventos de tamanha magnitude para discutir seriamente as politicas governamentais, imagine o que fica no fundo da xícara.

(*)Arnaldo Luiz Corrêa é CEO da Archer Consulting
  Voltar